O mito do amor romântico

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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5 min readJun 11, 2018

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso — em suma, é a nós mesmos — que amamos.

Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. — Fernando Pessoa

Fernando Pessoa é enfático em dizer que não amamos ninguém. O que amamos é a nós mesmos projetados no outro. O amor seria ver nossa imagem refletida em outros olhos, apenas um conceito criado que foi colocado sobre a pessoa amada. Sendo assim, essa pessoa é somente uma fantasia criada por nós mesmos e se adéqua perfeitamente a quem somos, não importando suas qualidades e seus defeitos, pois ela não é um ser real, apenas um ideal.

Assim como Narciso, que foi condenado a apaixonar-se por si mesmo e acabou morrendo observando a própria face refletida em um lago, fomos condenados a amar a nós mesmo, numa incessante busca por aquele que nos completará.

Nossas relações são apenas uma busca por amor próprio, e amar é apenas uma projeção feita por nós mesmos no outro, um espelho, que busca no outro enxergar a si próprio. Um falso amor ao outro, que é somente amor próprio travestido de amor ao próximo.

Aristófanes no dialogo O banquete, de Platão, conta uma lenda sobre o amor, no princípio existiam seres que possuíam quatros mãos, quatro pernas, dois rostos, quatro orelhas e dois sexos. Eles eram completos em si mesmos e ”eram de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham” vendo isso, Zeus não poderia matá-los, pois acabaria com a adoração e louvor que recebia, então Zeus teve a ideia de separá-los, o que os enfraqueceu, entretanto, fez com que cada um caísse em tristeza e fosse em busca da sua metade perdida.

Para Aristófanes, amor é a busca por aquele que restaurará a antiga natureza, que trará a completude e a felicidade. Amor transformado em uma corrida para tentar reencontrar a parte perdida que está vagando pelo mundo.Infelizmente, essa é a ideia de amor que acabou triunfando no final e é esse conceito que moldou a ideia do amor contemporâneo. Uma eterna busca pela metade perdida, condicionando a felicidade ao encontro desse ser desmembrado de si mesmo. O que torna-se algo egoísta, pois esperasse encontrar alguém que seja exatamente seu encaixe perfeito, alguém que suprirá todos os seus anseios por intimidade, amizade, intelectualidade, sexo e afinidades. Tudo isso em um único ser humano.Uma tarefa ingrata e um peso grande para qualquer pessoa.

Entretanto, e se essa metade não for encontrada, o que pode-se fazer? Aceitar uma vida de eterna infelicidade, com alguém que não é a metade perdida, mas apenas uma peça de um quebra-cabeça mal encaixado, um pedaço que não é seu, improvisado para sempre, sendo condenado a viver com um quebra-galho. Ou conviver com o cinismo de nunca encontrar o amor e passar de match em match, de cama em cama, já que não existe o par perfeito, nem a cara metade, vale mais a pena entregar-se a uma vida de frivolidade pura e simples.

A bela adormecida (1959)

O mito do amor romântico acabou por colocar um peso no outro que não havia antes, O romantismo trouxe o individualismo, o foco nas emoções e sentimentos do individuo e o peso de suas consequências. Tudo ao redor reduz-se ao eu e como poder viver um amor impossível. Historias como Romeu e Julieta, têm influenciado todo o pensamento romântico moderno e isso transborda para o grande sonho romântico — o casamento, que é acompanhado do famoso “felizes para sempre”, contado e recontado nas estórias infantis.

Ser um príncipe e uma princesa é o que é esperado dos cônjuges em uma vida talhada perfeitamente, revelada em fotos, declarações, viagens, eventos que devem ser compartilhados a exaustão, para demonstrar a perfeição de um amor de conto de fadas. Só que, o que os contos de fadas, comedias românticas, e livros não revelam, é que pessoas reais vão ao banheiro, pagam contas, soltam gases, tem mal humor, e quando esses seres romantizados vão viver sob o mesmo teto, eles tem que conviver com pessoas reais, e não projeções idealizadas de si mesmos.

Romper com esse pseudo-amor e amar um ser humano verdadeiramente é o desafio de todo ser narcisista, que somente “ama aquilo que é espelho” e descarta tudo que é diferente. Amar a diferença é o que o amor romântico moderno não aceita. Pode-se escolher todo tipo de produto, onde comer, qual profissão exercer, tudo milimetricamente calculado, sem qualquer tipo de contratempo, por que também não escolher da mesma maneira o objeto de seu amor? Apps de namoro são a resposta pós-moderna ao anseio pelo par ideal,uma falsa tentativa de diminuir a angustia da procura pela metade perfeita. Esse ser fabricado na imaginação, ganha forma na tela, como um tipo de Frankestein, mas quando se materializa, pode não ser o que esperava-se.

O namoro, o casamento, ou qualquer relacionamento humano, só é perfeito quando não existe, quando ele passa a existir tende lidar-se com um ser humano imperfeito que não foi convidado para essa fantasia e a partir disso que se desenrola a tragédia humana: aceitar a imperfeição e tentar amar esse ser diferente de si, ou preferir continuar com a fantasia, construir uma perfeição imaginária, mascarar as falhas alheias e viver uma ilusão?

Em algum momento o castelo de areia se esvai,e a brutal realidade bate a porta, quer queira ou não,o que pode ser tarde demais.

Originally published at thiagohdantas.tumblr.com

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2