Tesouro em Vasos de barro. Por que Pastores se suicidam?

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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6 min readApr 17, 2019

Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para demonstrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós mesmos.
2 Corintios 4.7

Pastores não são seres imunes as agruras da vida e isso inclui a depressão e infelizmente, ao suicídio. Cada vez mais temos visto pastores atentando contra à própria vida. Não faltam estatísticas sobre pastores sofrendo de depressão, esgotamento, problemas de saúde, baixos salários, falta de espiritualidade, relacionamentos destruídos e longevidade no ministério — e nenhuma delas é boa. Segundo o LifeWay Research, cerca de 23% pastores disseram ter experimentado algum tipo de doença mental, e 12 % foram diagnosticados com alguma condição de saúde mental.[1]

Outra pesquisa realizada pelo LifeWay em 2013 revelou que 48% dos cristãos tradicionais, evangélicos, e de outras denominações, acreditam que somente oração e o estudo da Bíblia sozinhos podem superar as doenças mentais.[2]

Segundo o Instituto Schaeffer, 70% dos pastores lutam constantemente contra a depressão e 71% se sentem esgotados. Enquanto isso, 72% dos pastores dizem que estudam apenas a Bíblia quando estão se preparando para sermões; 80% acreditam que o ministério pastoral afetou negativamente suas famílias. O Instituto Schaeffer também perguntou a pastores reformados e pentecostais entre 2015 e 2016 , e eles afirmaram que embora sejam mais felizes (79%) do que eram anteriormente de sua conversão, não têm bons e verdadeiros amigos (58%), não conseguem atender às expectativas irreais da igreja (52%); e perto de um terço enfrenta desânimo (34%) ou depressão / medo de ser julgado(35%) constantemente.[3]

O instituto Fuller, juntamente com o Instituto Schaeffer, realizou pesquisas entre 1989 e 1998 e chegou a alguns resultados alarmantes nessas quase duas décadas. Mais de 70% dos pastores estão tão estressados e esgotados que regularmente consideram deixar o ministério e desses, cerca de 35 a 40% dos pastores entrevistados realmente deixaram o ministério, a maioria depois de apenas cinco anos[4]. Não está claro quantos desses cometeram suicídio, mas está claro que os pastores são vitimas desse mal. Há muitas razões, e não quer dizer que todos os pastores cometerão suicídio, mas parece obvio que profissões estressantes como o pastoreio de igreja, ajudam e muito nesses casos.

Certas estruturas eclesiásticas parecem não se importar com os anseios dos pastores e praticamente anulam o homem que há dentro do pastor, e por muitas vezes acaba virando um ser alheio a sua humanidade, que parece um super-homem, que tem por obrigação fortificar a todos, nunca esmorecer e deve sempre estar bem. Entretanto, o que acontece com o homem que se encontra atrás da máscara?

Será que alguém sabe seus anseios e dúvidas? Talvez poucos, muitas vezes nem sua esposa, filhos e amigos, o que aliás, é algo raríssimo, como mostrado nas estatísticas, veem outros pastores não como futuros companheiros de jornada, mas sim concorrentes.

Ser um emissário do altíssimo, não é uma tarefa fácil, Dentro desse ser se forma o “homem-mensagem”, aquele que está incumbido de levar a mensagem de Deus para o seu povo e além de entregar a mensagem ele deve se comprometer com ela a tal ponto de quase transformar-se naquilo — o que muitas vezes não é possível, nem tudo que é pregado ele vive no momento, o que causa grande tristeza!

Desse descompasso entre mensagem e mensageiro, surgem as crises de identidade e depressão, por carregar uma mensagem tão pesada para a carne humana, e por não vivê-la plenamente.

O Apóstolo Paulo viveu isso e soube expressar bem essa dualidade humano-pastoral, quando diz que temos “tesouro em vasos de barro”, ele soube dizer o que somos todos nós, somente vasos de barro escolhidos por Deus para levar a mensagem Dele, para que outros sejam salvos. Mas como é difícil ser vaso de barro, com um tesouro dentro! Paulo na mesma carta fala que pelo peso de todas as visões, ensinos que o próprio Cristo o havia revelado, lhe foi posto um “espinho na carne” (2 co.12.7), Paulo passou por crises na vida, crise de identidade por ter sido um assassino e agora dar vida a outros, crise pelas pessoas não acreditarem que aquele assassino havia sido salvo e liberto de seu passado, Crise por não acreditarem que ele teve um encontro com Cristo, e possivelmente sofreu depressão, por essa constante cobrança interna e externa exigida por essa mensagem.

Charles H.Spurgeon, grande pastor batista, lutou durante toda sua vida contra a depressão, e em uma palestra para seus estudantes, ele dá os seguintes conselhos:

Que o homem seja naturalmente tão alegre quanto um pássaro, ou ele não será capaz de suportar ano após ano contra tal processo suicida; ele fará de seu estudo sua prisão, e de seus livros os guardas de uma cadeia, enquanto a natureza do lado de fora de sua janela o chama à saúde e o convida à alegria.

Aquele que esquece o zunido das abelhas em meio à urze, o arrulho do pombo-torcaz, a canção dos pássaros no bosque, o borbulhar dos rios em meio aos juncos e o suspirar dos ventos em meio aos pinhos, não precisa se questionar se seu coração já não canta, nem se sua alma se sente carregada.

Um dia respirando o ar fresco sobre os montes, ou algumas horas divagando na floresta de faia, sombreada e calma, varrerá as teias da mente de dezenas de nossos ministros em serviço que estão agora deprimidos.

Um bocado de ar marítimo, ou uma firme caminhada com o vento contra o rosto não trará graça à alma, mas fornecerá oxigênio para o corpo, que é a segunda melhor coisa que se poderia obter.

O coração sobrecarregado está no ar pesado,

Mas o vento que se levanta dispersará o desespero.

As samambaias e os coelhos, os rios e as trutas, os abetos e os esquilos, as prímulas e as violetas, os campos agrícolas, o feno recém-recolhido, e os perfumados lúpulos — esses são os melhores remédios para hipocondríacos, os tônicos mais certos para os declinantes, os melhores refrescos para o cansado.

Por falta de oportunidade ou de desejo, esses grandes remédios são negligenciados, e o estudante se torna uma vítima autoimolada.[5]

O peso de carregar essa mensagem tão maravilhosa tem um preço — a própria vida. O que todo chamado pelo Eterno sabe. O problema é quando negligenciasse o homem por trás do púlpito, ou quando função e personalidade se unem, de tal forma que não é possível desassociá-los, o homem se perde no pastor, e começa a acreditar que é feito de outra espécie,além da humana, invencível, do mesmo material que o precioso tesouro que carrega.

Paulo sabe dessa tentação, por isso continua explanando, “para demonstrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós mesmos”. O poder é dele, o tesouro é dele, nada é nosso. Somos meros garotos de recados e nunca devemos esquecer-nos disso.

Somos vasos de barro, frágeis, débeis e dependentes, que não são nada, além de terra amassada, moldada e queimada, concebido para carregar algo muito mais importante do que a nós mesmos. Quando esquecemos que somos somente terra amassada, ou humanos, que vem de húmus — terra, estamos à beira do abismo existencial e basta somente um passo em falso, para que tudo termine, e ao pó retorne, não de maneira gloriosa, mas sim, de um forma cruel e dolorosa.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2