A Teoria do Ponto Sem Retorno

Nós passamos do Ponto Sem Retorno. A Teoria do Ponto Sem Retorno é uma teoria da mecânica. Ela diz que em um trajeto, o combustível necessário para ser percorrido quando atingir um certo ponto não é suficiente e ao caso de algo dar errado não há como voltar atrás para o ponto inicial. É melhor continuar o trajeto. É melhor ir porque se você tentar voltar atrás para um porto seguro você não vai conseguir. Vai ficar á deriva no mar ou vai cair do céu. É melhor continuar. Mesmo que tenha dado alguma pane. Segura a cagada e continua até alguém te resgatar.
Nós passamos do ponto sem retorno. Isso não é ruim. A gente precisa continuar o percurso que escolhemos, que erramos, que decidimos errar, para chegar no final dele e quem sabe, no futuro, se reencontrar… mas agora, não tem como voltar.
Todos nós já passamos por isso. Não importa o tempo que tentamos e como tentamos. Acreditar que podemos nos salvar, na maioria das vezes, é um erro. Sonhar que poderia ser tão bom juntos ou acreditar que algo vai mudar é reabastecer a máquina com novas mentiras. Não é o combustível apropriado e você sabe que irá cair, mais cedo ou mais tarde. Como o comandante você tem que dar a ordem: não dá para a gente continuar juntos pois nesse momento não há salvação possível.
Existem relações que já passaram do ponto sem retorno. O que se faz não se pode mais consertar. É apenas o fim. Ou o começo. Você olha para um painel cheio de botões piscando. Olha para fora tentando enxergar além das nuvens. Tudo começa a piscar em vermelho, sinais luminosos de uma tragédia inevitável, mas nunca fazemos nada para parar a queda súbita da aeronave. Nós passamos do ponto sem retorno. Mais vale viver agora do que desesperar. Desesperar jamais. Apenas olhe atento a grande tragédia. O rombo no casco enquanto entra água na embarcação. O peso de flutuação modificando enquanto tentamos equilibrar no convês. As luzes do Norte, única indicação de direção segura. Olhar para seu companheiro de tragédia e ver uma miragem.
O Ponto Sem Retorno é um construtor de moralidade. Ele te transforma. Ele te ensina o que é amor. O que é condição. O que é sobrevivência. Ele te ensina o contexto de humildade com todo o egoísmo de um cacique de aldeia índigena. Aquele ser que sabe tudo, tudo viu nesse plano e no outro e ajuda a formar o seu caráter bem no fim. Ou uns dois meses depois. Depois da embarcação ter chegado ao seu fim. E todos sairem levemente abalados mas ilesos do avião. E nunca mais se verem. Enquanto você toma um café numa esquina qualquer numa cidade sem nome, tua mão treme e tu percebe pelo que passou. Tu descobre que a culpa era tua de não ter colocado combustível suficiente. Assim com a experiência adquirida, se prepara para mais uma viagem sem retorno.
Um dia, faremos todas as viagens, em todas as terras, em todos os mundos. Com as malas prontas, sentado do lado de outras malas prontas nos olharemos como quem reconhece o homem sentado no assento ao lado.
E ao sorrirmos aquele mesmo sorriso familiar, aquele mesmo olhar de segurança que sempre sorrimos para nossas viagens empreendidas, retomaremos o mesmo curso. Finalmente juntos e com retorno. Calhou apenas de ter sido uma viagem muito curta antes. Agora será mais longa. E não precisaremos retornar a nenhum porto seguro. Seremos o porto seguro de cada um.