A história do Mancha: Como um ex-estudante de engenharia virou dono de uma das principais casas de show de SP

Thiago Ney
5 min readOct 2, 2015

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Foto: Katia Mello

Aos 35 anos, Danilo Leonel, mais conhecido como Mancha, diz que não sabe quantos shows já rolaram na Casa do Mancha desde a inauguração, em setembro de 2007. “Parei de contar no 500, e isso foi no ano passado. Já deve ter chegado a uns 700, 800.”

Com capacidade para 80 pessoas e encravada no coração da Vila Madalena, em São Paulo, a Casa do Mancha tornou-se um dos principais locais de show da cidade. Banda pequenas, bandas médias, nomes internacionais (Mac McCaughan, Dan Croll), do rock (Boogarins, Holger, Cidadão Instigado) à MPB (Tiê, Mauricio Pereira), do introspectivo (Bruno Souto, Heitor Santas) ao dançante (Jaloo, Inky, Aldo the Band), já se apresentaram no aconchegante espaço que também funciona como estúdio de gravação e que realmente servia de casa para o Mancha — até 2013, quando ele foi “expulso” para não atrapalhar as bandas que queriam gravar logo pela manhã ou durante a madrugada, enquanto ele dormia.

São oito anos em que o sucesso da Casa do Mancha conseguiu convencer até mesmo os pais do Mancha de que o filho não é um “porra louca”. “Agora eles aceitam bem o que eu faço. Meu pai, que já morreu, veio assistir a alguns shows, e minha mãe me ligou dizendo que quer ir ao festival.”

O festival ao qual a mãe do Mancha faz questão de comparecer é o Fora da Casinha, organizado pelo Mancha (sem patrocínio nem ajuda de leis de incentivo) para comemorar os oito anos da casa. Será realizado neste domingo (dia 4), a partir das 16h, no Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena, e terá shows de Boogarins, Supercordas, Carne Doce, Gui Amabis, Holger, Stela Campos, The Soundscapes, O Terno, Mauricio Pereira e Twinpine(s).

Conversei com o Mancha sobre o festival e sobre como ele acabou virando um dos principais produtores de show de São Paulo. Ele conta abaixo.

A ideia de fazer o festival
Foi uma somatória de coisas que rolaram. Tem o lance de extrapolar o limite físico da casa. Tenho muito orgulho da casa, mas ela tem limitações, como de capacidade. Então queria sair do conforto, não ficar acomodado. Essa ideia já me cutucava há uns dois, três anos.
Eu já havia feito alguns testes, festas fora da casa, produzi shows com o Trabalho Sujo, também fiz coisas sozinho em outros lugares para aprender como funcionaria.
Tem também o fato de completar oito anos de casa. Se fosse esperar chegar aos 10 anos para fazer o festival, poderia dar tudo errado, porque seria a primeira vez. Então decidi fazer agora mesmo, para quando chegar aos 10 anos, já ter uma noção de como fazer.
Alem disso, eu sou caipira, vou fazendo as coisas com cuidado, sem dar um passo maior do que a perna. Precisei ter uma história mais bem estruturada com a casa, muitas bandas já passaram por ali, criei uma relação íntima com muitas bandas, então o risco é menor. Não sou um cara que chegou ontem e está montando um festival.

A chegada a São Paulo
Sou de Castilho (cidade de cerca de 15 mil habitantes na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul). Vim para São Paulo em 2001. Eu tenho uma filha e minha ex-namorada veio morar aqui com ela. Vim porque queria ficar perto da minha filha e para procurar algo para fazer. Na época eu fazia faculdade de engenharia.
Nunca planejei ter uma casa de show. Quando cheguei em São Paulo, comecei a trabalhar com produção de eventos. Me formei em comunicação em Rádio e TV. A minha formação é de pós-produção de vídeo.
E eu sempre tive banda, desde os 13 anos eu tocava, arrumava amplificador, mexia em mesa de som. Na minha cidade, você tem de aprender a fazer isso, porque ninguém vai fazer por você.
Eu morava em um apartamento, mas decidi me mudar para a casa para ter um estúdio. Só que as coisas foram crescendo. As bandas iam gravar, amigos iam para ver a banda gravar. Começou um fluxo de gente que eu não imaginava, não tinha planejado. Fui aprendendo a lidar com a situação. As pessoas vinham, metade trazia cerveja, metade não. O que eu iria fazer? Comecei a vender cerveja para quem não tinha levado. E assim as coisas foram acontecendo.
O primeiro show aberto ao público na casa foi do Polara, em setembro de 2007.

Antes e hoje
Agora eu tenho uma gerente, que cuida da organização, do fluxo de gente etc., tem um produtor de som, o gerente de bar, faxineira. Tenho sete pessoas que trabalham na casa. No início era eu e meu antigo sócio. Durante uns três anos ficamos apenas nós dois fazendo tudo.

Dá grana?
O meu sócio deixou a casa porque ela não dá muita grana. Dá mal e mal para pagar o aluguel.
Eu produzo bandas, faço trabalhos com vídeo, o que me ajuda a ganhar grana. Hoje em dia, se você executar apenas uma função, dificilmente vai ganhar grana. Mas atualmente está mais fácil para quem quer trabalhar com música se compararmos com 10, 15 anos atrás.

Relação com os vizinhos
Estou num bairro barulhento. Escolhi a Vila Madalena por ser um lugar barulhento. Eu faço de tudo para não incomodar. A relação com os vizinhos é de dialogo, temos uma boa convivência. A gente começa os shows cedo, por volta das 21h. Nós fechamos antes de todos os outros bares do bairro. E eu não faço alarde, não fico chamando um monte de gente para fazer algazarra, beber na rua. É um clima mais tranquilo.

Escalação do festival
Escolhi bandas que têm relação bastante íntima com a casa. Os Boogarins, por exemplo, quando saíram de Goiânia, foram para a casa tocar. O Gui Amabis já fez temporada. É um pessoal que tem carinho pela casa, e isso é importante para mim.
Claro que tem muito mais gente que tem essa relação boa, mas não deu para colocar na escalação. a Barbara Eugênia tem uma cópia da chave da casa, o Pélico é meu amigo, mas não deu para colocá-los no festival. Eu tentei criar uma narrativa estética, e o som do Pélico não encaixaria.

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