Thomas Cardoso
2 min readNov 27, 2019

O meu corpo desafia o Cistema, representa a resistência e com isso, suas deformidades. A muito tempo ele vem tentando aniquilar esses corpos transgressores, ditando-os doentes, anormais e perversos. Diante de toda a resistência que se teve suas estratégias foram se modificando, criando o então chamado por Berenice Bento (2017), “dispositivo da transexualidade”.

Segundo Foucault os dispositivos “são formados por um conjunto heterogêneo de práticas discursivas e não discursivas que possuem uma função estratégica de dominação. O poder disciplinar obtém sua eficácia da associação entre os discursos teóricos e as práticas reguladoras” ( Foucault,1993:244).Estas práticas vão dizer a esses corpos o que podem e como podem ser, e somente dentro dessas normas, nossa identidade como sujeito é validada.

As práticas e normas fazem uma higienização velada, tentando eliminar de nossos corpos todo e qualquer vestígio que nos diga transgressor. E por isso digo, todas as mudanças e intervenções cirúrgicas, ou não, que possamos vir a fazer para nos aproximar da “normalidade” é por causa da sociedade.

Nem sempre temos disforias, odiamos nossos corpos, ou temos vergonha de ser como somos. Das nossas vozes, formatos, meios de expressão, entre outras características. Mas muitas vezes, para não dizer sempre, manter essas características nos custa a validação da nossa identidade e apagamento social. Então seguimos em busca da tão comentada passabilidade, para que possamos ser lidos como pessoas, seres que existem, e nos dar certa sensação de “segurança”. Vale ressaltar que isso não é regra, muitas pessoas trans e travestis não buscam pela passabilidade e enfrentam com fervor todas as normas de gênero binário.

Esse dispositivo é tão forte que acreditamos querer e precisar dessas mudanças desesperadamente para nos sentir inteiros, sem pensar de onde essa ideia surgiu. Mas o mal estar, crises e afins, eles são verdadeiros e aparecem para nos assombrar. Buscamos muitas coisas com a vontade de existir, ser amado e cuidado, ter acesso à educação, saúde, família, cultura, como qualquer outra pessoa, dita “normal” pela norma.

O Cistema tem cor, gênero, religião, classe. E é ele quem vai dizer (ou tentar) como e onde podemos existir. Cada vez mais esse dispositivo é desafiado por corpos que resistem a ele, identidades que se negam a seguir o binarismo, aos papéis de gênero e buscar a passabilidade. Vale lembrar que todes somos válides, e temos que respeitar as individualidades, sem tentar invalidar o próximo. Não podemos reproduzir opressões que foram e continuam sendo impressas na nossa pele, diariamente.

BENTO,B. A reinvenção do corpo — sexualidade e gênero na experiência transexual.3ªed./Salvador,BA: Editora Devires,2017.

FOUCAULT,M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,1993.

Thomas Cardoso

Homem trans | Licenciado em biologia|Pesquisador de Gênero e Diversidade Sexual | Mestrando em Condições Humanas (UFSCar) |Membro do Coletivo Mandala | Pai pet