Por um arco-íris de oportunidades (parte 1)

Biamichelle Miranda, Daniela Andrade, Jeliel Mendes e Laura Zanotti

Quando ousamos nos perguntar onde estão as mulheres travestis, transexuais e homens trans da sociedade no mercado de trabalho, nossa mente nos leva para a resposta mais óbvia e, infelizmente, mais aceita pela sociedade: estão em sua esmagadora maioria sem emprego e sem perspectiva, ou ocupando postos de empregos extremamente precarizados e despreparados para lidar com essa população.

Os termos “esmagadora maioria” e “extremamente” não são utilizados por acaso. Aliás, eles ainda não refletem a realidade que centenas de travestis, homens e mulheres trans vivenciam. Terminamos o ano de 2016, por exemplo, com os maiores índices de violência contra a população T, enquanto as estatísticas de políticas públicas e projetos que visem restaurar a cidadania e dignidade dessas pessoas, proporcionando oportunidade no mercado de trabalho, estão praticamente estagnadas. Como diria Luiz Mello, professor da Universidade de Goiânia, militante e pesquisador de políticas públicas LGBT, no que diz respeito à políticas públicas, nunca tivemos muito e o pouco que se tem ainda é quase nada.

É comum ao lermos artigos sobre a situação de educação, saúde, moradia, violência, mortes ou qualquer outro assunto ligado a população T, nos depararmos com índices que tentam nos alertar para o quanto essa parcela da população é excluída e marginalizada por essa sociedade que não abre portas e reduz o acesso ao pouco que existe. Isso não é apenas um recurso para sensibilizar as pessoas insensibilizadas. É um fato.

E não é por acaso. A transfobia vivenciada nas escolas afasta crianças e jovens ainda mais do convívio social, muitas vezes impedindo que concluam sua escolaridade e obrigando milhares de pessoas travestis e transexuais a ocupar postos precarizados e despreparados para essa população — isso quando conseguem chegar lá. Essa mesma sociedade que ainda se sustenta pelas bases da opressão e fobia também nega oportunidade para aquelas pessoas que conseguiram com muito custo romper essas barreiras.

Entretanto, projetos e políticas públicas para a população LGBT não se justificam apenas pela violência cotidiana que esses grupos sofrem em decorrência da sua identidade de gênero ou expressão de sexualidade. A violência que LGBTs sofrem é pública, e é um problema público, devendo o estado punir e reparar a violência concreta e simbólica que esse grupo sofre cotidianamente. Mas para além disso, as políticas públicas e projetos são essenciais para se garantir a igualdade de direitos e sua extensão, que ainda é hoje tida como um privilégio heterossexual e cisgênero.

É nesse sentido que parcerias e programas vêm sendo lançados em algumas capitais do Brasil, em um esforço para dialogar com o todo da sociedade sobre a responsabilidade que a mesma tem de primeiramente respeitar a identidade do outro, e para reafirmar ao estado a obrigação que este tem com cada travesti e transexual.

Neste artigo, gostaríamos de destacar algumas dessas iniciativas por sua importância e contribuição na tarefa de auxiliar na mudança de mentalidade e cultura. Também gostaríamos de destacar algumas iniciativas de setor privado que representam consciência e compromisso com a justiça social e econômica, que constitui um dos pilares da ThoughtWorks.

Iniciativas do setor público

TransCidadania e Trans Enem auxiliando na reparação da lacuna das políticas educacionais para pessoas Travestis e Transexuais.

Uma política pública transversal, considerada pioneira na América Latina, o programa Transcidadania foi criado em janeiro de 2015 pelo Município de São Paulo e é destinado a travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social. Seu objetivo é garantir o acesso aos direitos humanos e à cidadania, provendo uma transferência de renda mínima auxiliar durante o período de qualificação por meio de educação formal e cursos livres oferecidos pelo programa.

Uma ação necessária, o programa TransCidadania atendeu no decorrer de dois anos 200 participantes, e obteve nesse período um índice de 87% de pessoas que concluíram seus objetivos, ou seja, beneficiárias que passaram pelo programa e conseguiram concluir a escolaridade formal, isso é, ensino fundamental ou médio. Esse número se mantém quando falamos de pessoas que tiveram acesso a atendimentos jurídicos, psicológicos e de saúde, dando andamento ao processo de terapia hormonal.

Quando pensamos em direitos negados para pessoas travestis e transexuais, entretanto, não estamos tratando apenas de educação formal, saúde, atendimento psico-social. De acordo com o balanço do programa, no início 79,41% das pessoas participantes estavam em albergues e 25,93% em situação de rua. Hoje, de acordo com dados do programa, 100% das pessoas beneficiárias estão em albergues ou centros de acolhimento, um deles tendo sido criado apenas para travestis e transexuais durante o programa.

Em Belo Horizonte, existe uma iniciativa no GT (grupo de discussão para políticas trans) para implantar um modelo bem parecido com o Transcidadania. A ideia é auxiliar na introdução da população trans em um modelo de ensino profissionalizante, com um currículo que abranja noções de empreendedorismo e microempreendimentos. Ao final do curso, parcerias com instituições como o Sebrae proporcionariam apoio por meio, por exemplo, da criação de uma cooperativa que ajude na geração de renda própria.

Uma opção interessante seria buscar parcerias com empresas interessadas em empregar essa população, começando por empresas que tenham interesses sociais e/ou que prestam serviços governamentais de modo direto e indireto.

Outra forma de inclusão que vem acontecendo na capital mineira é o TransEnem, cursinho preparatório totalmente independente oferecido por pessoas voluntárias. O objetivo é preparar mulheres e homens trans e travestis para o ENEM, incentivando a carreira acadêmica e funcionando como uma alternativa aos cursinhos tradicionais, nos quais esse grupo está constantemente sujeito à transfobia.

Mesmo com iniciativas educacionais como essa, a questão da empregabilidade é ainda um dos principais desafios para a população T. O número de ações na perspectiva da empregabilidade em postos de trabalhos de qualidade ainda é baixo, demonstrando que ainda existe preconceito e resistência em muitas empresas e órgãos públicos, apesar de todo o discurso de acessibilidade, diversidade e pluralidade.

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