Animação: a arte que vai liderar a expressão visual no século XXI

Tiago Alcantara
7 min readJan 8, 2017

O astrofísico e escritor norte-americano Carl Sagan dizia que os livros são a prova de que os seres humanos são capazes de realizar magia. Pegue as palavras e transforme-as em imagens em movimento e temos um tipo de magia ainda mais potente, capaz de arrebatar plateias em todo o mundo. Tão forte que supera barreiras e torna os expectadores participantes de um mesmo sonho, uma mesma visão. Após um século de evolução, as animações estão prontas para ocupar uma posição de destaque na criação visual, lado a lado com as outras artes criativas.

Para entender essa evolução, vale a pena embarcar na entrevista com Alberto Lucena Barbosa Jr. Artista visual — trabalhando com técnicas de desenho, pintura e animação — além de pesquisador e professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba, Barbosa Jr. teve a gentileza de compartilhar seu conhecimento com os leitores da revista ComCiência em um dossiê temático sobre Cinema*.

Divida em três partes, a entrevista com o pesquisador e autor do livro A Arte da Animação: Técnica e Estética Através da História (Editora Senac, 2002), aborda vários temas relevantes aos amantes dessa arte — que é, ao mesmo tempo, uma técnica.

Dentre eles, a necessidade de uma crítica que seja realmente especializada no cinema de animação, capaz de acompanhar essa evolução. Na primeira parte da entrevista, o pesquisador conta como o dinheiro está fazendo com que as animações ganhem reconhecimento.

A animação sempre teve reconhecida qualidade artística, porém era pequena como negócio. Agora a situação está mudando e, por causa do dinheiro, a animação começa a ganhar respeito, começa a ser levada à sério por todos — inclusive como arte

Nas últimas décadas, as animações renderam bilheterias enormes para estúdios. É possível constatar um crescimento em relevância estética, artística e crítica de animações?

Alberto Barbosa Lucena Jr. — Não, ainda não ganhamos relevância estética nem contamos com crítica digna desse nome na animação, mas estamos bem em qualidade artística. O que realmente fez diferença foi a novidade técnica.

As grandes bilheterias da década de 1990 até o presente têm evidente influência dos recursos de computação gráfica. Dois blockbusters do começo dos anos 1990 confirmam isso: O exterminador do futuro II (1991) e Parque dos dinossauros (1993). Naquele momento os recursos digitais enfim disponibilizaram as primeiras técnicas com suficiente maturidade para fornecer convencimento visual (ou seja, verossimilhança) e passaram a ser efetivamente empregadas em grande escala pelos artistas (antes disso, tanto o preço de hardware/software quanto a operação dos programas limitavam seu acesso a poucos indivíduos, muitos dos quais sem o conhecimento de arte/animação para explorá-los como ferramentas criativas ).

A esse respeito é muito conhecida a declaração de John Lasseter, na segunda metade da década de 1980, sobre a surpresa do público do Siggraph ao assistir o filme Luxo Jr., incrédulos ao saber que a animação dos personagens havia sido feita com a técnica básica de keyframe, ficando a qualidade da mecânica toda por conta dos princípios clássicos da animação.

Animação de 1986 da Pixar

No entanto, se a técnica desempenhou seu papel na confecção de efeitos visuais convincentes, aqueles dois filmes são duas obras de grande qualidade cinematográfica — daí tão grande êxito financeiro (cujo marketing completou o trabalho).

Desde então os grandes sucessos de bilheteria, sejam animações puras ou filmes com efeitos visuais, invariavelmente fazem o necessário casamento entre técnica e estética. Porém, nesse período os recursos digitais ainda não alcançaram um patamar de usabilidade e expressão natural — algo que começa, aos poucos, a ser notado agora. Lembro que o Zbrush (pioneira ferramenta para modelagem orgânica) — tipo de software que vem revolucionando a modelagem digital 3D — foi lançado somente em 1999.

Assim, originalidade estética ainda não se observa nesses primórdios da animação digital, embora se tenha qualidade artística — os artistas estão adquirindo familiaridade com essas novas ferramentas. Por outro lado, constato uma pobreza na área da crítica de animação. Falta conhecimento, falta preparo, falta gente capaz. O crítico de animação tem que reunir a expertise do estudioso de cinema com a do estudioso das artes plásticas e da própria animação. Na verdade quase nunca existiu crítico de animação. Como a animação está na moda, agora todo mundo deseja falar sobre animação. Vejo críticos/acadêmicos de cinema que nunca se interessaram por animação (até desprezavam essa arte) que de repente viraram “especialistas”. Mas o que importa é que chegou a hora da animação, a arte que vai liderar a expressão artística visual no século XXI, e para isso precisa contar com críticos competentes para colaborar nessa escalada qualitativa.

Complementando a questão anterior, no Oscar de 2016, Divertidamente ganhou duas indicações: melhor animação e também melhor roteiro. Esse tipo de reconhecimento mostra que as animações começam a ser vistas como obras mais complexas?

Alberto Barbosa Lucena Jr. — O cinema de animação possui filmes reconhecidamente extraordinários desde há muito tempo. Uma obra pioneira da animação e que antecede em meia década o filme que é considerado o marco zero do cinema documentário (Nanuk, o esquimó, de Robert Flaherty, 1922), o documentário em animação O afundamento do Lusitânia (Winsor McCay, 1918) é impressionante sob qualquer aspecto — aliás, todas as obras desse artista são incríveis.

O afundamento do Lusitânia: pioneiro

Ainda na época do cinema mudo as séries do Gato Felix e do Palhaço Koko não são de brincadeira! Para se ter uma ideia da fama do Gato Felix, a única personalidade do cinema que rivalizava com ele em popularidade era Charles Chaplin, sendo admirado inclusive no meio acadêmico. Com o advento do cinema sonoro, o Estúdio Disney vai produzir obras-primas ao longo de duas décadas — logo com seu primeiro longa-metragem (Branca de Neve, 1937) Disney vai mesmerizar o mundo: a premiação do Oscar não sabia o que fazer com esse filme espetacular, e então lhe outorgou um prêmio especial, dando um Oscar normal e sete Oscars menores (os sete anões). Mesmo em produções independentes da longínqua década de 1930 encontramos filmes muito admirados, caso do criativo e encantador A alegria de viver (Anthony Gross/Hector Hoppin, 1934).

Walt Disney recebe um Oscar especial por Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937

Ocorre que a crítica de cinema ignorava o cinema de animação. A imprensa só falava das artes tradicionais e do cinema com atores reais. Essa situação só começou a mudar em meados do século XX, após a criação da Asifa com o propósito de promover a animação e com os primeiros animadores que passaram a escrever com regularidade sobre animação — caso de John Halas, justamente um dos criadores e a força motriz por trás da Asifa. Mas isso era muito pouco. Somente com a popularização da televisão (a partir da década de 1960) a animação ganha maior visibilidade e aos poucos foram surgindo livros e artigos que enfatizavam o valor artístico da animação. Isso coincidiu com uma certa decadência do cinema com atores reais e o advento da computação gráfica. A técnica digital e as mídias eletrônicas (começando com a TV) representaram um renascimento para a animação. Ganhou-se escala de produção e a animação cresceu como negócio. Virou uma grande indústria, abocanhando um naco considerável do negócio do entretenimento. Isso realimenta o setor e amplia toda a cadeia produtiva, a ponto de, enfim, ter produção suficiente para criar a categoria do Oscar de animação de longa-metragem — instituído em 2001.

Cena de A Bela e a Fera, de 1991

Antes disso, porém, os filmes de animação poderiam estar sendo indicados para categorias gerais desde há muito tempo. A bela e a fera, da Disney, até foi indicado em 1991 ao Oscar de Melhor Filme. A Academia de Hollywood chegou a estabelecer que filmes indicados ao Oscar de Melhor Animação de Longa-metragem concorreriam ao Oscar de Melhor Filme. Foram o caso de Up (2009) e Toy Story 3 (2010). Algumas pessoas chegaram a dizer que o Oscar para Animação de Longa-metragem foi criado justamente para impedir que filmes de animação concorressem ao Oscar de Melhor Filme — em 2008 WALL-E era aclamado para receber o Oscar de Melhor Filme, mas ganhou “apenas” o de Melhor Animação de Longa-metragem. De fato há preconceito, dúvida e medo em relação à animação por parte daqueles que fazem a indústria do cinema — o grande mainstream do espetáculo do star system. Mas, então, é também o dinheiro que está virando o jogo a favor da animação. A animação sempre teve reconhecida qualidade artística, porém era pequena como negócio. Agora a situação está mudando e, por causa do dinheiro, a animação começa a ganhar respeito, começa a ser levada à sério por todos — inclusive como arte.

Up, Toy Story 3 e WALL-E: animações indicadas ao Oscar na categoria de Melhor Filme

*O dossiê 183 da revista ComCiência tem como tema o Cinema. Você pode conferir as matérias e artigos sobre o assunto na página da revista digital. A ComCiência é uma publicação de jornalismo científico e divulgação cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.

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