Retratos de uma disputa por paz

Tissy Carrião Guimarães
4 min readOct 12, 2016

Bom, quando eu decidi vir pra Colômbia eu realmente não imaginava que o pais vivia esse momento. Se ouve das Farc, do Pablo Escobar, de Narcos, mas é impressionante quão distante estamos de conhecer a historia dos nossos vizinhos. Na tentativa de me aproximar juntei alguns relatos, retratos, sensações e informações apenas para contribuir para uma discussão que é muito maior e mais complexa.

Ouvindo as ruas de Bogotá

Eu nunca tinha me dado conta quão perto podia estar de uma guerra, e aqui, em plena América do Sul… só me liguei quando um colega aqui do camphill disse:

“Eu tenho 20 anos então nunca conheci meu país em paz.”

Durante os 50 anos de conflito acumularam-se episódios aterrorizantes dos dois lados. E todo e qualquer colombiano sabe listar: desde guerrilheiros sequestandos crianças nos povoados, governos matando civis e dizendo que eram guerrilheiros, métodos de morte como o "corte gravata" em que a língua saia por um corte no pescoço, o exército abria fogo contra vilas inteiras e me parece que uma vez que se entra no vórtice da vingança a paz é impossível. Então como sair daí?

Bom, foram altos anos de negociação e, curiosamente, não apenas envolvendo governo e Farc, mas também a população. É, ainda não entendo muito bem porque o acordo foi assinado em Cartagena antes e só depois rolou o plebiscito…

Mas eu me lembro de estar num taxi em Cali ouvindo a cerimônia da assinatura do acordo. Algumas partes dos discursos me emocionaram bastante como quando Timotchenko (chefe das Farc) pediu perdão ao povo colombiano ou quando Santos (chefe das Colômbia) afirmou que eles nunca vão concordar idelogicamente, mas que a maneira é discordar democraticamente e com diálogo.

E falando em discordar, o debate está sendo uma prática frequênte por aqui. Ouvi que em algumas univerisdades, havia diversos encontros para se discutir cada ponto do acordo amted da votação do plebicito. E sobre a disputa entre el sí y el no, coletei algumas frases de pessoas ao me redor para ilustrar um pouco as opiniões por aqui:

— “Claro que quero a paz, mas achei muito importante o povo colombiano aprender a dizer não. Tem vários pontos que não concordo do acordo […] te confesso que não li todos, mas é importante a gente também não aceitar algo quando não concorda. Eu não votei, mas votaria pelo não.”

— “Eu votei e foi pelo sim. Conheço algumas pessoas principalmente campesinos que tiveram que entrar pra guerrilha obrigados, isso tem que acabar.”

— “Eu acordei cedo e fui votar, pelo sim. Eu quero a paz, e este é o caminho. Sei que não é perfeito, mas nos faz caminhar nesta direção. E quando o não ganhou eu fiquei muito triste, não sei o que vai ser desse país assim dividido.”

“Eu votaria pelo não. Principalmente pelo fato dos guerrilheiros fazerem parte do governo. Isso não está certo, primeiro porque eles são bandidos então é muito perigoso tê-los no governo. Depois porque vão estar ganhando um bom salário. Eles mataram muita jeito, isso não é justo.”

— “Eu votaria pelo sim, o povo colombiano é muito atrasado, não sabe o quão importante é esse momento e esse acordo.”

Na minha humilde e fronteiriça opinião, o acordo me pareceu uma saída muito democrática e voltada para a inclusão social da guerrilha, prevendo sua participação nos espaços de decisão política, substituindo a necessidade da disputa armada. Me parece realmente um acordo de paz por não perpetuar mais a vingança e o acerto de contas. Haverá julgamento dos crimes porém me parece que, mais que condenar indivíduos, o acordo visa minimizar a exclusão e desigualdade social que alimentava a guerra.

A novela é boa meus amigos. A cerimonia de Cartagena foi super emocionante, com lágrimas, coral de crianças, e galera vestida ensaiando o réveillon; mas ai na semana seguinte ganhou o ‘Não’, aí toca o povo rever o acordo; mas daí o Santos simplesmente ganhou o nobel da paz (é ganhou o presidente e não o guerrilheiro né, ok)…

Bom, em suma crianças, o acordo de paz é realmente um processo longo. Não apenas pela negociação, mas pela assimilação e mudança de mentalidade de toda uma população acostumada ao embate violento e a intolerância … neste contexto, incorporar ações democráticas pode parecer radical, e talvez tenha de ser para se romper um ciclo vicioso de vingança.

É, realmente é um momento muito interessante para se estar na Colômbia.

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