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6 min readMar 16, 2022

Estudos de personagem das obras de Ingmar Bergman

Esse texto contém spoilers do filme

#1 Isak Borg

Em uma película com um pouco mais de uma hora de duração acompanhamos o velho médico Isak Borg, em um road movie para receber uma homenagem por seus serviços prestados.

Desde o aparecer da primeira cena até o encerramento do filme, somos bombardeados por variedades de metáforas e simbolismos que estão no set para exprimir histórias, que vislumbram estabelecer um diálogo com os espectadores, nesse sentido serve como complemento uma fala do diretor:

“ Não quero produzir uma obra de arte que o público possa sentar e chupar esteticamente. Quero dar-lhe um golpe nas costas, para queimar sua indiferença, para assusta-los fora de sua complacência.”

( Ingmar Bergman).

Frases como essa revelam a potência de alguém que possui uma determinada intenção, no entanto, se ocorrerá a passagem para o ato, vai depender do conjunto da obra ser virtuoso a esse nível e de espectadores ativos, que enxerguem além do entretenimento fugaz.

Nesse sentido cabe esboçar uma tertúlia a respeito do lugar empírico da biografia áudio visual do espectador, ou podemos chama-lo de partilhante da experiência com a arte. Para pessoas habituadas com filmes recentes, coloridos, de ação, com tomadas rápidas e dinâmicas, podem não ter a paciência e sensibilidade necessária para aproveitar esse filme. No entanto, expandir nossos horizontes de gosto, ampliando o leque de experiências que nos estimulam prazer, pode ser um impulso para abrirmos nossos olhos e acordarmos para nos relacionarmos com o mundo, de modos que ignoravamos e não presumiamos que poderia ser espontâneo de nossa parte mudar, talvez não da água para o vinho, mas da água para um suco, do H2O para um chá, uma serveja ou outra bebida.

Estudar esse personagem, implica conhecer o contexto histórico que ele estava situado. Considerando o ano de lançamento desse filme 1958, produzido em P&B. É um trabalho de garimpagem, que difere daquele realizado por um biógrafo que esteja escrevendo sobre um biografado que tenha morrido recentemente.

Feito esse esclarecimento, podemos nos debruçar sobre o senhor Izak, buscando compreender quem ele é a partir de um método dialético onde relacionamos as faces do personagem com os objetivos de entender os significados de onde partiu, os sentidos da sua jornada e onde sua história termina e a nossa continua.

A jornada de Izak é permeada por sonhos sobre a morte, solidão, traumas do passado envolvendo seu filho, sua falecida esposa e sua condição de um médico que não consegue curar seu psicológico e ter relações interpessoais saudáveis. Ao mesmo tempo, fica nublado e difícil de saber o que são sonhos, lembranças e o que é imaginado por ele.

Seu filho Evald parece ter herdado um temperamento pessimista, fruto de uma convivência fria com o pai que não soube cultivar o amor em sua casa,embora alguns momentos de bom humor trazem alívio para a trama dos conflitos entre os dois, carregada de dramaticidade poética. Com o vislumbre das marcações do diretor que o consagraram ao lado de outros grandes nomes do cinema mundial.

Izak Borg, interpretado pelo grande Vicktor Sjöstrom, naquele que foi seu último papel antes de falecer. Nos proporciona um diálogo, não somente com a passagem de nossa própria existência , mas do ator e seu personagem.

Em um momento da viagem 3 jovens pedem carona e o acompanham durante o trajeto, o influenciando a lembrar do triângulo amoroso entre ele, um amigo e sua prima Sara( interpretada por Bibi Anderson, assim como a Sara que pediu carona), onde ele foi substituído. Ingmar como um artista que buscava a verossimilhança, gostava de construir histórias sobre adultérios, amores não correspondidos e tragédias amorosas. Mas sem ser um militante à propor respostas e caminhos fáceis para o espectador. Muitas vezes ao terminar de assistir um filme seu, acabamos tão perdidos quanto no início, mas com uma sensação de consciência da nossa condição frágil e carente, não em um sentido vitimista fatalista, mas embebidos por um sentimento trágico da vida, como nos lembra o espanhol Miguel de Unamuno no título de seu livro. Portanto, ao estudarmos racionalmente e meticulosamente: Adultérios, amores, dramas familiares, bondade, justiça etc… Não conquistamos plena noção de aplicação pragmática e retenção desses valores para o nosso íntimo, navegar ainda é preciso como diria Fernando Pessoa.

Entender a sua amargura trágica transicionada ao contexto, enseja um temor a reduzir sua biografia, como um ser que compartilha desamor nos ambientes, no entanto, Izak é multifacetado e ambivalente. Apesar de a balançar estar pendendo para a tristeza solitária

Sua nora, no inicio da viagem comenta: Sobre ele conhecer tanto, mas não saber nada, ele fica em choque e não responde diretamente. Nessa cena ela não quis ser literal, sua intenção era fazer alusão ao desenrolar da relação de Isak com seu filho, que apesar das virtudes do personagem, ele não foi capaz de fazer boas escolhas para o cultivo de uma boa relação.

Os pesadelos seguem vertiginosamente ao longo do filme. Isak passa um pente fino em alguns dos momentos mais dramáticos e climáticos de sua vida, na urgência de que, sendo ele de idade avançada, não haveria mais tempo para esculpir na prática cotidiana tudo que precisaria, recuperar todo o tempo que se foi, além de ele não saber exatamente o que queria e deveria fazer. Assim como nós, ninguém nos perguntou se queríamos vir ao mundo, e as vezes mesmo sendo dotados de um ferramental para amadurecer, não existe garantia de sentido, podemos se afogar em niilismo, melancolia e sofrimento, como Evald ao evocar uma fala anti-natalista para sua companheira.

A beleza do velho Isak, talvez resida em sua angústia decomposta em literatura, podemos compara-lo com tantos outros que foram somente vítimas da fortuna, não decompondo suas vivências em partes menores para enxergar com mais clareza e simplicidade e então transpor as lentes que nos alienam, dificultando a autonomia e maioridade de pensamento.

Revisitar Morangos Silvestres é submergir em uma época longínqua e simultaneamente presente. Um número relevante de conflitos é trabalhado para aproximar o expectador de um drama repleto de camadas e tensões.

Os problemas sobre conciliação envolvendo Isak, seu filho e nora, as traições que sofreu, a auto estima em queda livre, não sentindo-se merecedor do prêmio que recebeu em Lund.

Uma relação que serve para desnudar a alma de Isak é a desenvolvida com sua empregada, eles vivem como um casal, ela trabalhando para ele a mais de quarenta anos, no entanto eles não construíram intimidade em um sentido de amizade calorosa e afetuosa.

À última cena de Isak foi em um quarto após receber o prêmio e se despedindo dos jovens que estavam viajando pela Europa, ele conversa com seu filho, empregada e Nora, para depois ir dormir ou talvez tenha falecido, o filme sendo intencionalmente delineado através de polissemia, deixa para o expectador e para os críticos, teorizarem e tirarem suas conclusões, embora, possa ajudar conferir algumas entrevistas e falas de Bergman e do elenco do filme a respeito desse trabalho, mas tendo em mente que a obra suntenta-se por si própria, ou seja, a criatura é independente de seu criador.

*obs: esse texto é um esboço que futuramente será melhorado, com o acréscimo de mais parágrafos, revisões e mudanças. Lembrando que não parti da premissa de escrever para esgotar o personagem, além de que existem outros caminhos e formas de tentar entende-lo, estou ciente disso, é sempre um prazer ler outros textos sobre temas que gosto de pesquisar e reconhecer trabalhos melhores que os que produzo.