O conflito geopolítico na final da UEFA Europa League

Victor Ramos
4 min readMay 24, 2019

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Geopolítica é a ciência que se concentra na utilização de poder político sob determinado território. Bom, essa é a definição básica da palavra. Contudo, sabemos que na “vida real” os conflitos geopolíticos envolvem outros fatores, como podemos ver em movimentos separatistas realizados entre alguns grupos étnicos, por exemplo Catalães, Bascos e Navarros, contra a Espanha. Outro exemplo de geopolítica dos dias atuais é a saída do Reino Unido da União Europeia, tendo esse movimento apelidado de Brexit resultante da junção das palavras British (Britânico) e exit (saída). Mas e o conflito Nagorno-Karabakh, você sabe sobre ele? Nagorno-Karabakh é uma região situada dentro do Azerbaijão, próxima à fronteira da Armênia, que atualmente possuí pouco mais de 140 mil habitantes. O conflito que, nos primórdios da União Soviética, custou milhares de vida entre elas cerca de 30 mil armênios, tirou Henrikh Mkhitaryan da final da Liga Europa, que será realizada em Baku, no Azerbaijão.

Nagorno-Karabakh, território disputado

Devido ao conflito realizado em tempos passados não há uma relação entre Armênia e Azerbaijão, ambos se recusam a “ceder”. Devido há esse corte de relações a entrada de cidadãos armênios no Azerbaijão é algo raro, extremamente raro. Para você que é “antenado” no meio do futebol vai saber que essa não é a primeira vez que Mkhitaryan é barrado em solo azeri. As outras duas vezes foram: contra a equipe do Qabala, em 2015, quando o jogador ainda atuava com a camisa do Borussia Dortmund, e contra o Qarabag, em Outubro, pelo Arsenal.

Se você ficou espantado, ou de certa forma indignado, pelo fato do jogador do Arsenal não poder atuar na final da Liga Europa, saiba que você não é o único. A Anistia Internacional, uma organização não governamental que defende os direitos humanos, “bateu de frente” com a UEFA ao dizer que o Azerbaijão não poderia receber grandes jogos de futebol devido ao seu terrível desrespeito aos direitos humanos. E não é só pela final da Liga Europa ser em Baku, no Azerbaijão. O país receberá jogos da Eurocopa de 2020 (foi escolhido entre outras 13 cedes para sediar a competição).

“Temos de garantir que o Azerbaijão não seja autorizado a esconder com esporte o seu péssimo registo de direitos humanos como resultado da fanfarra de futebol”, afirmou a diretora da Anistia Internacional no Reino Unido, Kate Allen. “As pessoas LGBTI foram presas e até mesmo pessoas que fugiram do país foram perseguidas e pressionadas a voltar. Torcedores, jogadores e bastidores podem ajudar a evitar a provável tentativa do Azerbaijão de limpar sua imagem, informando-se sobre a situação dos direitos humanos por trás da fachada chamativa do jogo de quarta-feira (29/05)”, continua Allen.

“Com muita frequência, os governos estão usando competições esportivas de alto nível para desviar a atenção de políticas repressivas e violações de direitos humanos, para projetar uma imagem de abertura. Isso não poderia estar mais longe da verdade com a atual administração, e o confronto Arsenal x Chelsea é apenas o último lembrete disso”, diz ainda a diretora da Anistia Internacional.

O conflito de Nagorno-Karabakh começa em meio a Primeira Guerra Mundial. A região, com habitantes armênios cristãos e azeris turcos, juntou-se ao Império Russo no século 19. Na época em que a União Soviética assumiu o poder depois da revolução bolchevique, a potência estabeleceu Nagorno-Karabakh como uma região autônoma, com maioria armênia, dentro da República Soviética Socialista do Azerbaijão, uma das medidas do plano soviético de dividir para conquistar.

O domínio soviético foi capaz de manter as tensões relativamente sob controle até o final da década de oitenta, quando a URSS começou a se dissolver. Em 1988, houve um referendo sobre a independência da região, que intensificou o conflito. A votação foi a favor da secessão e de uma união à Armênia. Entretanto é aí que os problemas começam a surgir: um deles é que há faixas de terra azeri entre Nagorno-Karabakh e a fronteira armênia; o outro é que quase ninguém, incluindo o governo do Azerbaijão, nem da Armênia, reconheceu a votação como legítima. Sim, eles simplesmente ignoraram o que foi decidido no referendo.

Com a queda da União Soviética, Nagorno-Karabakh declarou-se independente, em 1991, e o conflito intensificou-se por mais três anos, com um cessar-fogo negociado pela Rússia, mas isso ocorreu após milhares de pessoas serem mortas. Os armênios assumiram o controle da região, assim como de terras azeri nos arredores. O total de refugiados passou de um milhão. A população azeri, aproximadamente 25% do total antes da guerra, fugiu de Nagorno-Karabakh e da Armênia, e armênios fugiram de outros territórios do Azerbaijão.

De início as principais críticas sobre a escolha de Baku foram mais pela questão dos ingressos, com apenas seis mil distribuídos a cada um dos finalistas, Arsenal e Chelsea. Além do fato citado anteriormente, outra coisa que incomoda os torcedores é a enorme distância para chegar ao país, que fica na Europa Oriental. A justificativa da UEFA para a escolha de Baku é a mesma ao qual a FIFA usa quando escolhe países como o Catar para sediar a Copa: a obrigação da entidade de crescer o esporte em todo continente, seja ele qual for. A Federação de Futebol do Azerbaijão, cinicamente, publicou uma nota dizendo que lamenta a decisão “injustificável” de Mkhitaryan de não viajar até Baku para jogar a final, irônico no mínimo.

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Victor Ramos

O real “Tyler, The Creator”. Contudo, no campo futebolístico.