Resenha #7 | O mar não sofre coisa morta — Leonardo Paiva

TOC Literário
3 min readFeb 13, 2017

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“Se, por um lado, a origem da possível punição extra mundo foi atenuada, por outro, a culpa pessoal lhe caiu como uma lança: aquele corpo só tinha se tornado corpo devido aos seus desejos: aquele corpo era herança sua." (pág. 38)

“O mar não sofre coisa morta” é um livro impactante desde a capa, com seu mar bravio engolindo uma embarcação, assim como a escrita de Leonardo Paiva também engole o leitor.

Já nas primeiras páginas, Lourdes — personagem que dá nome ao primeiro conto — mata galinhas cortando seus pescoços. Nas páginas seguintes, quem morre pelo gume de uma faca é o irmão dela.

No próximo conto nos deparamos, de forma incomodamente crua, com uma instituição na qual a mãe, a esposa e as irmãs de um homem se sujeitam a abuso para poderem visitá-lo na "Véspera de Páscoa".

"O ciúme" traz uma atmosfera carregada, com um limiar um tanto confuso entre o que se passa na realidade e na mente do personagem.

"Os afogados" e "Os primos" são os que menos empolgam, talvez por deixar o leitor à espera de um clímax que não acontece.

"O mar não sofre coisa morta" não emprestou seu nome ao livro por acaso. O conto trata de uma família com uma genética amaldiçoada, resultando em filhos doentes que, de tão perecíveis, nem chegam a receber nomes. A morte, o alívio pela morte e a culpa pelo alívio forjam uma história densa, pela qual não se pode passar impassivelmente.

Em "O cavalo" temos a melhor amostra do poder da escrita de Leonardo, com um protagonista que percebemos ser cego antes de ele dizer, construindo a narrativa a partir de seus outros sentidos, de uma maneira bastante peculiar.

Já o conto "Brasília" é uma viagem pela memória de Valdomiro, preenchida de histórias que só os mais velhos têm pra contar.

"Sem abraços o pai subiu na carroça com o riso na cara às quatro da manhã. Valdomiro dormiu pouco durante a noite. Sonolento, acenou da porta da entrada até a carroça ser engolida pela escuridão. A mãe, como em toda despedida do pai, não foi até a porta, senão esfarelava que nem bolo velho. Os meninos dormiam. Cruzeiro nem latir latiu." (pág. 50)

Por fim, "O Jacarandá" traz um enredo policialesco com uma jornada pelas mentalidades individuais e coletivas, envolvendo sequestro, estupro, linchamento... e a árvore que intitula o conto, alheia a tudo isso, como que, com toda a sua imobilidade, fizesse oposição à condição humana.

"O jacarandá sem folhas aguardava imponente e sem qualquer queimadura a chegada de um inverno rígido." (pág. 61)

Como um todo, o livro impressiona pela intensidade que o autor traz em sua escrita e pelo desenvolvimento que os contos atingem, apesar de nenhum deles ocupar mais de 10 páginas. Os enredos obitam ao redor de temas de impacto — tais como morte, culpa e violência — e certamente irão mexer com o leitor de alguma forma.

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