UX e Responsabilidade Ética com o Outro: Um Passeio Necessário
Uma reflexão para a prática do design responsável, identificando o pensamento linear limitado e, como ficar (todos os dias) no lado vital da força.
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Designers usam a imaginação em todos os detalhes que criam, e essa imaginação é restrita se não for alimentada pela experiência de outras pessoas. O design é moldado em torno do que inclui. Ele geralmente inclui pessoas e sua diversidade, portanto, isso faz parte de todas as decisões tomadas. Hoje, os estudos de acessibilidade trazem informações sobre como algo tão simples quanto as opções de cores podem tornar um produto inutilizável para milhões, e esse é apenas um assunto das possibilidades de diversidade humana.
Se você não quiser conhecer a experiência de outras pessoas, seu trabalho será limitado.
A inclusão é tão importante porque dá ao design um uso mais amplo e quando um produto é usado ele faz sentido. Lembrando que as pessoas não dão a mínima para um design que não pensa nelas: “Se isso não me considera, provavelmente não é para mim de qualquer maneira”.
As empresas seguem um cronograma, os empregadores querem aumentos, o trabalho precisa ser entregue e, no meio desse acordo, uma tonelada de decisões mal feitas acaba sendo empurradas para o mundo. Às vezes acontece que a decisão de entrar no ar ainda acontece no período de auto-encantamento da produção, de dentro da visão de mundo da bolha da empresa, onde às vezes até a conversa ética mais básica entre os envolvidos é ignorada. E pior, design irresponsável pode acontecer mesmo com a participação de bons designers.
O design irresponsável pode produzir escândalos de privacidade, como o filtro de pesquisa de pessoas do Facebook que mostraria homens interessados em outros homens para relacionamentos no Teerã, onde a atividade sexual entre membros do mesmo sexo é ilegal e pode ser punida com a morte. Ou expondo homossexuais para os pais e a família, arruinando os relacionamentos. Se essa persona fosse considerada antes, isso não teria acontecido. Um estágio simples, mas absolutamente necessário, do design de UX.
“Tenha mais medo das consequências do seu trabalho do que ame a inteligência de suas próprias idéias”
Mas se um designer de experiência do usuário fornece experiências ruins para as pessoas, qual é o sentido de sua atividade? Como os designers podem se fazer melhor?
Sabendo que o design é geralmente o último recurso de uma empresa que pensa na vida dos clientes de maneira mais profunda, deixando-nos com isso barreiras éticas, isso precisa começar a ser uma conversa séria porque afinal são decisões de negócios e podem afetar seu ecossistema. Ajudaria se as empresas incorporassem uma maneira ética de pensar em sua estratégia, que naturalmente conduzirá sua cultura a seu redor. E se não, precisamos ser sinceros e falar de estratégia além dos números.
Uma parte crucial da Pesquisa de usuário é combinar os dados do uso do produto (números e parâmetros) com a qualidade que acontece por trás: as impressões e emoções das pessoas sobre o uso, que, em última análise, são o valor de um produto para uma empresa.
Metas de negócios baseadas em meros números de crescimento são cegas quanto ao impacto, e isso pode prejudicar muitos, além de fazer perder muitas oportunidades interessantes no caminho. O primeiro "Hiroshima dos Dados" criado pela Cambridge Analytica e pelo Facebook não aconteceu porque as pessoas queriam fazer coisas maliciosas, mas por metas baseadas em número, longe da realidade ou da humanidade do outro lado da interface. É um poder gigante que a tecnologia possui para criar enormes desastres, imagina se for bem usado para fazer coisas boas?
Não sejamos tolos, estamos brincando com fogo.
Podemos adicionar essa rodada ao processo de UX. Para começar, considerações de inclusão em projetos podem ser naturais, dado o esforço para pensar neles todos os dias. Criar boa acessibilidade para raça, gênero e deficiência não é tão difícil se você mantiver uma janela aberta para elas.
Além da longa lista de tarefas do trimestre, observar as pesquisas para medir o impacto é algo que não levará muito tempo e pode trazer uma mão cheia de conteúdo sobre como a vida dos usuários muda com o seu trabalho.
Os designers precisam ser porteiros éticos, tomando cuidado ao lançar algo, fazendo a importante lista de verificação do que deve ser considerado um trabalho decente (pelo menos não ruim). Com isso, podemos assumir nossa posição como aqueles que não deixarão a empresa fazer merda, porque é por isso que estamos lá afinal.
Você representa muitas pessoas quando está projetando.
A maneira de pensar que praticamos pode ser relacionada ao modo ocidental de linear, comparado a um pensamento circular ou sistêmico mais comumente encontrado nas culturas orientais, ou culturas mais conectadas com a natureza, como as indígenas do mundo todo. Em um pensamento circular ou sistêmico, a motivação não é um objetivo final, mas continuar fortalecendo a vida auto-sustentada, possibilitando a realização da diversidade de eventos.
O físico norte americano David Bohm verificou que temos grandes dificuldades para fazer conexões, imaginar outros contextos e buscar relações, extrapolar os limites do tempo e do espaço presentes. E pior: quando não conseguimos vislumbrar correlações imediatas entre os fenômenos em dadas circunstâncias, costumamos nos convencer de que não há relações para teorizar, classificar e ordenar. Daí vem a idéia de querer separar o que é teórico e o que é prático (operacional), como se a ação fosse algo que independe do pensamento e vice-versa.
A essa tradicional propensão da nossa cultura na construção do conhecimento, Bohm chamou de “doença do pensamento”. Nada mais “doente” do que o modo unilateral do pensamento linear tomado como única maneira de guiar o pensamento e gerir constelações de conhecimentos.
A problemática do pensamento linear também tem sua influência na Revolução Industrial de 1800, com a exploração infinita da Terra em busca de materiais e a mais recente extra-produção de lixo que enfrentamos. Não devemos esquecer que esse padrão de consumir e depois deixar para o "outro" (algum milagre) cuidar também acontece no nível imaterial com as emoções humanas, desejos (ou falta de desejos), sendo explorados e descartados, o que deixa pessoas sucetíveis para os próximos “produtos exploratórios”, com a promessa de ser um produto novo "acolhedor", miseravelmente assim mantendo a roda do consumo desenergizante em movimento. Parece que acabamos criando mecanismos de suicídio lento.
O pensamento sistêmico deve interligar as partes, diminuir a distância entre elas e permitir pensar o conjunto (sistema) sem perder de vista todos os seus participantes. Portanto, quando você toma uma decisão de design, é responsável pela vida e pela humanidade, pelo passado e pelo futuro. Admite-se nesse modelo, que na articulação entre as partes, podem surgir novas ideias e oportunidades, o que seria impossível de visualizar a partir do pensamento linear.
Não é nada fora deste mundo, pois também é uma questão de interesse pessoal, se você ver pela perspectiva de que estamos compartilhando o mesmo sistema, que ele é parcialmente projetado por nós humanos, e portanto gerar problemas a outras pessoas vai consequentemente afetá-lo. Não à toa nos preocupamos com o bem estar de quem é próximo da gente, porque sabemos que isso pode nos afetar negativamente.
Em tempos digitais acelerados, é muito difícil pensar que nossas ações gravam eternamente o tempo da existência.
Apesar da luz colocada sobre a negatividade, nosso trabalho é uma coisa linda. Enquanto estamos fazendo design, costuramos sociedades e modos de vida, conectando e projetando informações no tempo rumo à infinidade dos vários eventos que se originarão dele. Este é o ponto exato do respiro da responsabilidade.
Um bom exercício para os designers é pensar em seu portfólio como algo que eles estão tatuando não apenas na sua própria pele, mas também em todos os que estão imprimindo seus trabalhos dentro de si todos os dias. Uma metodologia a ser adicionada ao pensamento UX é a visualização do Hazard Mapping, algo que Erika Hall, da Mule Design, foi elaborada a partir de estudos de gerenciamento de riscos, e parece muito apresentável para os gerentes e para o C-level.
Mais em: https://medium.com/mule-design/hazard-mapping-e0b99b7ebd29
Se não houvesse restrições dadas pela causa e efeito da natureza, não teríamos nenhum motivo para criar nada em primeiro lugar; portanto, respeitemos isso e, como parte disso, continuemos usando restrições para evitar resultados ruins de acontecer.
A abertura ao desconhecido dos eventos tem o peso e a leveza do segurar da caneta que arrisca a superfície. A instância de levar os riscos em consideração é nossa, e se feita com cuidado, pode potencialmente produzir eventos maravilhosos para muitas pessoas.
Devemos reconhecer o poder que temos como designers para mudar as coisas, e que esse poder vem com a responsabilidade de fazer bem.
Vamos manter isso circulando em mente :)