Sobre o rolê

Precisamos de mais espaços seguros para que as juventudes possam ser quem elas são

Lucas Alves
3 min readFeb 18, 2019
Foto: Lucas Alves

A marca de carimbo estampada na minha mão dava entrada para um dos picos mais bombados de São Bernardo hoje em dia: a Blow.

Pagando 20 reais seco, sem consumação, você entra em um grande galpão a céu aberto, cercado por mato não cortado e coberto por altas tendas que tapam a chuva. O chão sujo de lama castiga os tênis de marca no pé da galera.

Pra ser sincero, eu meio que não queria ter ido pra lá aquele dia. Eu e os caras até tínhamos combinado de ir pra um outro lugar, mas papo vai, papo vem e de repente estávamos na porta. Tudo bem, o rolê é assim: você não sai de casa direto pra ele, você acaba indo parar nele.

Diferente de alguns lugares mais nichados, a Blow agrega perfis um pouco mais distintos de gente. Tem galera do hip hop, do funk e do trap, mas é possível também encontrar alguns indies perdidos no rolê — eu incluso. Não que você tenha que se encaixar em algum desses, é só que às vezes fica mais fácil pra descrever mesmo.

Era difícil encontrar alguém entre os quase mil jovens por ali que não estava com um goró na mão. Enquanto uns procuram o isqueiro pra acender o cigarro, outros rebolam ao som da batida. Quando o relógio marca meia-noite, há comemoração. A galera ganhou de bandeja uma hora a mais de rolê: é o fim do horário de verão.

É uma noite peculiar na Blow: uma banda cover de Charlie Brown Jr. se apresenta no palco. Olha, é muito fácil dar errado enquanto um cover de CBJR (com muitos exemplos por aí). Como representar um dos maiores ícones da juventude brasileira que ocuparam esse posto durante mais de uma década?

Eu enquanto um jovem que se propõe a investigar outras juventudes falo com tranquilidade: ouvir um álbum do Charlie Brown é no mínimo tão importante quanto ler uma pesquisa se você quer entender sobre o jovem no Brasil. Goste da banda ou não.

Tenho que tirar o chapéu para os caras do cover. O Luiz, que teve o difícil papel de cantar os mesmos versos que Chorão, o fez com sucesso. A galera entrou na vibe e entoou junto os vários hinos da banda que despertam emoções distintas. Valeu a pena estar ali.

Precisamos de mais espaços seguros para que as juventudes possam ser quem elas são. A gente merece. Não é todo mundo que trabalha ou estuda e pode estar nesses lugares de convívio. A necessidade de viver em comunidade é relevante para a gente. É com os nossos que aprendemos, rimos e choramos.

O rolê é, muitas vezes, um escape da rotina. Uma lufada de ar numa semana em que as coisas talvez não tenham dado muito certo. Mas é também muitas vezes uma celebração, seja por uma conquista ou para compartilhar momentos com os que estão ali com você.

Viver a juventude, como diz o meu amigo Bruninho, é privilégio de alguns. Seja num bar, balada ou num baile de favela. É legal ter isso na cabeça antes de sair de casa na próxima vez.

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Lucas Alves

Ou só “Luvas”. Sou jornalista do ABC e o que faço é basicamente organizar informação. Escrevo crônicas sobre a juventude em meu blog, o “Toque de Luvas”.