segunda-feira vai fazer três semanas que estou em portugal. nesse último mês, inevitavelmente assumi um papel de grande observadora do mundo. uma presença onírica, física também, mas nem tanto.
me tornei uma entusiasta das pequenas interações cotidianas: dar bom-dia no supermercado, caminhar para jogar o lixo fora e encontrar algum vizinho, sentar para comer em um restaurante, jogar conversa fora com o garçom e observar o que as outras pessoas estão fazendo. é tão próximo, mas também tão longe do que conheço, que me pego enfeitiçada pelo modo como os portugueses agem quando se sentem em casa, me permitindo ser transportada, por um instante, para a minha.
sei que temos a percepção coletiva de que cada pessoa é um universo, mas ficamos tão imersos no nosso viver que não prestamos atenção nos outros. em um lugar desconhecido, me senti forçada a sair do meu próprio eu. arrumei boas companhias, mas os dias ainda são majoritariamente introspectivos. e que bom! porque assim posso visitar outros pequenos cosmos com uma curiosidade quase infantil.
esses dias precisei comprar uma toalha e fui numa loja de família chinesa perto de casa, onde uma senhora cuidava de seu netinho, que deveria ter menos de 2 anos de idade. a criancinha acenou para mim, abraçou minhas pernas, e a vó tentando puxá-lo, carinhosamente, conversando numa linguagem que não entendo, mas que transmitia muito afeto. e afeto é uma forma universal de se comunicar. essa interação me comoveu, fiquei pensando que em outro continente consigo encontrar algo que me move tão profundamente: amor.
em outra ocasião, vi um casal de universitários vestindo suas roupas de recém-chegados conversando na chuva, o rapaz encostado numa parede fumando um cigarro e a moça mexendo sutilmente nos cabelos. trejeitos de quem quer ser adulto rápido demais. logo pensei que engraçados são os hormônios quando somos novos, e como aqueles dois não davam a mínima para a frieza noturna, afinal, estavam num mundo só deles. e lá deve ser quente. sei disso porque meu mundo também parece um vulcão quando estou apaixonada.
e encontrei um grande grupo de amigos cantando de madrugada, na frente da minha janela, as músicas mais obscenas que eu poderia escutar. era duas da manhã e eu estava morrendo de sono, mas não consegui me incomodar. espiei numa brecha da cortina e fiquei encantada. estavam tão felizes que pensei nas vezes em que me vi em situação parecida com minhas amigas no brasil. senti saudades e fiquei feliz por eles. fechada no quarto, entendi como dá para se encontrar tão profundamente nos outros.
hoje está um dia chuvoso e a rua está silenciosa, confesso que isso entristece meu coração tão necessitado de familiaridade. chega a ser engraçado porque vivo em silêncio, então esse deveria ser o cenário mais confortável. senti vontade de escrever isso porque não quero apagar as memórias das outras pessoas que me ofereceram conforto sem nem me conhecer, sem nenhuma interação direta. são mesmo as coisas mais corriqueiras que se tornam as mais formidáveis.
esse texto é tão cotidiano que não sei bem como terminá-lo. acho que vou ouvir o barulho da chuva um pouco mais. só isso. mas, ao mesmo tempo, tudo isso.