Silenciamento político: Do MBL à esquerda lacradora, a internet interdita debates?

Raphael Tsavkko Garcia
Extra Newsfeed
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5 min readNov 22, 2017

Vemos em todo lugar as pautas do MBL sendo discutidas, protesto contra museu, exposições, peças de teatro e etc… Aí vemos pesquisa que mostra que o grosso da população não pensa como essa turma. No fim as redes sociais promovem um grande silenciamento coletivo. São tantas vozes gritando em lados absolutamente opostos que sobra pouco espaço pra qualquer coisa divergente — e muitas vezes o peso daqueles que gritam é superdimensionado, mas gritam alto o suficiente.

As vozes mais ao centro são completamente silenciadas seja pelo volume dos opostos, seja porque optam por se calar mesmo.

Conheço muita gente que abandonou redes sociais ou simplesmente não comenta quase nada porque não tem como ser ouvido e quando é só gera treta. Claro, é um exemplo anedótico, mas algo me diz que é bem mais generalizado.

O Pablo Ortellado captou bem essa situação (ainda que não tratando das redes, em artigo recente para a Folha — que eu li após escrever o rascunho desse texto):

A polarização não é apenas a concentração da opinião em pontos de vista opostos, mas o alinhamento dessas posições.

A polarização produz a adoção de posições interligadas, isto é, quando determinado campo político toma uma posição, o campo adversário automaticamente toma posição no sentido contrário, produzindo pares de oposições perfiladas.

Quando os antipetistas abraçaram a luta anticorrupção como pauta central, a esquerda, em reação, adotou a tese contrária de que a luta contra a corrupção era uma superficialidade tola, já que os vínculos entre o poder público e as empresas seriam inerentes à sociedade capitalista.

Do outro lado, tão logo a esquerda tomou o Bolsa Família como uma política social exemplar, os antipetistas passaram a vê-lo como um programa assistencialista que manteria os mais pobres em uma condição estrutural de dependência do Estado.

A internet poderia/deveria ser um espaço público (sim, mais pros lados do Habermas), mas muitas vezes é o absoluto oposto. Destrói, desagrega, nega qualquer espaço pra debate e diálogo. A internet por vezes interdita o debate. Cauda longa, memes*, lados beligerantes, ânimos a flor da pele, o debate público não é, de fato, um debate. É uma guerra permeada por fake news pra convencer à todo custo ou condenar os não-convencidos/convertidos.

*Nada tenho contra memes, pelo contrário, o problema é quando estes substituem o diálogo e se tornam toda a mensagem (política). É muito raso, pese ter sua função.

Ouso aventar a possibilidade de que as pessoas não apenas façam parte de bolhas (ideológicas) porque necessariamente professam (todas) as ideias desta, mas são levados a se posicionar (ou silenciar) por seus contatos mais próximos, sejam familiares ou amigos. Muitas vezes ou você segue acriticamente ou você se cala. E nem sempre seguir nas redes significa na “vida real” você se comportar da mesma forma tendo tempo para refletir, coisa rara na época das redes, de interação simultânea, em tempo real.

Inseridos dentro dessas bolhas, enfim, os indivíduos ou comportam-se igual ou se calam. Ou tem comportamentos que parecem contraditórios, como apontou o Fabio Malini ao encontrar pessoas curtindo postagens ao mesmo tempo da Marina e do Bolsonaro.

No fim nem Marina é o monstro que os petistas pintaram eleição passada para forçar um segundo turno com o PSDB e apostar na polarização vergonhosa, nem Bolsonaro… Quer dizer, sim, ele é o horror que todos pensamos e conhecemos. No entanto é preciso ir além dessa impressão (e dessa certeza) e entender porque mesmo sendo essa figura asquerosa ele consegue atrair votos e mesmo “likes” de quem também tem alguma proximidade com a Marina, que se coloca em quase todas as questões no campo diametralmente oposto ao dele.

É muito fácil apontar para todo potencial eleitor do Bolsonaro e chamá-los de “fascistas” sem se deter um minuto para compreender porque tanta gente o apoia ou simpatiza com (algumas de) suas ideias. Mas isso é papo pra outro texto.

A velocidade da internet que nos leva a refletir menos e reagir mais, junto às bolhas (auto)impostas geram um processo que vai do radicalismo ao silenciamento. E CREIO que o silenciamento seja muito mais presente no geral ou em temas gerais, daí, como eu havia mencionado, pesquisa mostrar que mesmo em meio à censura a museus e radicalismo de direita crescendo, as pessoas em grande parte defendem agendas progressistas diametralmente opostas a essa turma. E, penso, em geral também se opõem ao radicalismo de justiceiros sociais (ou Social Justice Warriors) que tem tomado de assalto movimentos sociais impondo agendas que igualmente pregam a censura e o silenciamento.

Vale lembrar que pessoas são multifacetadas, respondem a diferentes estímulos de maneiras (bem) diferentes. E há uma infinidade de variáveis que alteram comportamentos e respostas que vão além de um ambiente (mais ou menos) controlado (como a internet).

É algo a se pesquisar se discursos radicais tendem a “vencer” diante de moderados. Se é possível falar em um soterramento do discurso moderado e como se dá factualmente este processo.

Talvez discursos radicais apostem por uma veemência, ou melhor, por certezas muitas vezes não sustentadas por nada além de teorias formuladas pelos próprios radicais que, no grito, com uma pseudo-autoridade, acabam por “convencer à força” ou apenas submeter o interlocutor moderado.

Ocorre, diria, um constrangimento do “eu acho”, do “talvez”, do “mas quem sabe”, do “tentemos um meio termo”.

É algo a se estudar. Enfim, só impressões. Fico com aconclusão do Ortellado:

À medida que a polarização avança, essas identidades estão sendo alargadas para cada vez incluir mais convicções políticas apaixonadas -agora, elas estão passando a incluir também a defesa da família, dos valores tradicionais e a punição dura aos criminosos, de um lado, e a defesa dos direitos de negros, mulheres e pessoas trans, de outro.

Quando é mais urgente afirmar apaixonadamente a nossa identidade do que exercer o julgamento crítico sobre as questões, de forma independente, nossos mais sinceros e honestos compromissos políticos podem facilmente ser colocados a serviço de projetos que, na prática, promovem o oposto daquilo que queremos.

Relevante ao tema, publiquei ano passado capítulo em um livro no qual trato um pouco sobre o papel da internet com foco em mobilizações populares e revoluções, para quem se interessar pelo tema: Revoluções não acontecem online: Redes sociais e tecno-pragmatismo.

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Raphael Tsavkko Garcia
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Journalist, PhD in Human Rights (University of Deusto). MA in Communication Sciences, BA in International Relations. www.tsavkko.com.br