A manifestação no centro de Buenos Aires

Yo Tengo Todo Coraje y Agresividad que Necesito

Tutz Dias
4 min readApr 3, 2023

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A força de uma cidade como resultado de um passado de luta pela retomada da democracia.

Há muita vida em Buenos Aires. Durante a madrugada você pode encontrar pessoas correndo, indo à sorveteria ou passeando com seus cachorros. As pessoas são sempre presentes, e realmente ocupam os espaços, com diversão, risadas, seus amores, ideias, suas lutas e dores.

Parede com lambes / Mural com grafite sobre as Madres da Plaza de Mayo

Expressões artísticas existem por toda a cidade, e grafites, pixos e lambes são usados como convite para eventos, palavras de ordem e pedidos de ajuda.

Parede com grafite dizendo "Missing Children, Enzo Vallejos" e a imagem de um menino
Missing Children Enzo Vallejos

“MISSING CHILDREN ENZO VALLEJOS”, a mensagem escrita em inglês cobre toda uma parede. É o fruto de um grande esforço de pessoas que querem encontrá-lo.

Um esforço parecido se repetia 47 anos atrás pelas Madres de La Plaza de Mayo.

Palco da manifestação, com militantes das Madres da Plaza de Mayo

Em 1977 nasceu o grupo de mulheres que até hoje inspira e representa a luta pela democracia argentina. Com um lenço branco como símbolo, as Madres de La Plaza de Mayo foi o primeiro grande grupo a se organizar contra as violações de direitos promovidos pela ditadura militar, que se instaurou um ano antes e se estendeu até 1983.

As mães se reuniam e pressionavam o governo por informações sobre seus filhos, desaparecidos no regime militar, e, além disso, chamavam atenção para as violações de direitos humanos.

As manifestações começaram paradas na frente da Casa Rosada, o palácio do governo, que tempo depois proibiu que pessoas ficassem paradas em um local por muito tempo. Para driblar a lei, o grupo começou a se manifestar andando em círculos ao redor da Plaza de Mayo. (Isso tudo eu aprendi com um guia no Free Walking Tour pelo centro de Buenos Aires)

Esse grupo existe até hoje, engajado na luta pelos direitos humanos, políticos e civis na américa latina, mas o grande destaque fica para o legado que o grupo deixou para o país, e que pode ser visto na manifestação do Día de la memoria por la verdad y la justicia.

24 de março é o aniversário do golpe militar argentino, e, após a retomada da democracia, foi resignificado como um dia para lembrar das mais de 30.000 vítimas do regime ditatorial.

Inclusive, uma das coisas que me chamou a atenção na manifestação foi a frase “Retomada da democracia”, constantemente dita na manifestação. Eu costumo ouvir “fim da ditadura militar” no Brasil.

Esse grupo de mulheres, inundou o coração de todo um país pela luta a favor da democracia, e sua influência em pessoas jovens se estende até os dias de hoje. Placas, cartazes, bonecos e até tatuagem com o símbolo do grupo podiam ser vistos na manifestação.

O tamanho, a energia, a culinária, música, dança, intervenção com pixo e lambes ilustram como a manifestação foi diversa e completa. Desde direitos à população trans, passando pelo trabalho de merendeiras e indo até o suporte da candidatura da ex-presidente Cristina Kirchner.

Cartazes na manifestação eram mais presentes nas mãos de movimentos sociais e coletivos, grandes, fortes e com a presença desde bebês até idosos. Placas levadas por indivíduos eram poucas, porém eram as mais dolorosas. A maioria se tratava de pessoas sumidas durante a ditadura; essas placas seguradas por parentes dessas pessoas, eu imagino.

Tudo o que vi nesse dia 24 de março mostra o valor que o povo argentino dá para a memoria, força pela busca da verdad e a vontade de obter justicia por aqueles que não estão mais aqui.

Tomás Abad — Secuestrado el 9–8–1976

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Tutz Dias

UX Researcher @ Nubank | | Photographer telling visual stories | From Rio de Janeiro but living in São Paulo