HS - Cruz vazia, Igreja viva

J. Almança
3 min readApr 1, 2018

--

Completei 33 anos essa semana. Idade simbólica para os cristãos, ainda mais no fim de semana de páscoa. Essa reflexão é como a igreja tem se esquecido que no Gólgota, a cruz ficou vazia.

Na minha jornada, vi que a igreja nada mais é que uma representação da sociedade, afinal é formada pelas mesmas pessoas.

Na igreja que eu cresci, vi os irmãos visitando doentes e pessoas necessitadas nas comunidades carentes, vi uma irmã que tinha um ministério em presídios para auxiliar a população carcerária, vi um grupo em casas de recuperação para acompanhar e ajudar dependentes químicos.

Vi também intrigas, ignorância e imaturidade. Vi traições, violência doméstica, gravidez na adolescência. Vi panelinhas e gente sendo excluída. Vi gente usando púlpito pra atacar outras igrejas, outras religiões. Vi gente usando púlpito como plataforma de comício eleitoreiro.

Vi pessoas falhas, mas com humildade de reconhecer que a caminhada é longa. Pessoas soberbas que ao serem confrontadas pela mensagem de Cristo, reconheceram suas falhas e se tornaram pessoas melhores. Vi também pastores com bom coração serem seduzidos pelo culto de personalidade e tornarem suas igrejas ‘pastorcêntricas’, elevando seus cargos a apóstolo, bispo, suplente da trindade.

Apesar disso tudo, eu via uma igreja com propósito, que apesar das falhas tinha o compromisso de cumprir a missão de ser o corpo místico de Cristo na Terra. Que incorpora as palavras de Cristo em Lucas 4 (ecoando Isaías 61), pregando boas novas aos pobres, libertando os presos e oprimidos e dando vista aos cegos.

Alguém me diz quando que “o povo que se chama pelo nome dEle” deixou de seguir o exemplo de Cristo e passou a seguir o de Pilatos, lavando as mãos perante a injustiça? Ou talvez seguindo o exemplo do povo que clamava por sangue nas praças de Jerusalém, hoje disseminado palavras de ódio nas redes sociais? Ou ainda o exemplo do Império Romano, que usava do seu poder para calar as insurgências e consolidar a hegemonia, quando vemos cada vez mais o poder político no Brasil se consolidando com “cristãos” que querem consolidar o domínio, esquecendo que nosso chamado é para servir?

Alguém me diz quando o papel da igreja se tornou defender a si mesma? Lutar pelos seus direitos negando o dos outros? Alguém me diz quando a gente esqueceu que “por Ele, dEle e para Ele são todas as coisas” e começou a dizer “eu quero de volta o que é meu” com sabor de mel? Alguém me diz quando a gente esqueceu que devemos nos alegrar pela perseguição em nome da justiça (Mateus 5:10) e em nome dEle (Mateus 10:22) para começar a reclamar de “cristofobia”?

Alguém me diz quando a gente deixou de ser “com Cristo, crucificado” (Gálatas 2:20) para nos tornarmos a mão do soldado que prega pessoas hoje na cruz? Pregando muitas vezes com nossas palavras, injúrias, acusações e até violência, justamente aqueles que Cristo nos chamou para curar e libertar? Quando que a gente passou a colocar condições nas palavras de Cristo, amando alguns e desprezando outros? Quando que a gente esqueceu que a ordem de Cristo é “ide aos povos” e não “abra a porta e espere que o povo venha”?

Mas na periferia da vida e da sociedade, há luz. A igreja está lá fora, longe desta tela. Auxiliando vítimas do tráfico de pessoas, combatendo a escravidão (vide a lei de combate ao trabalho Escravo do deputado Carlos Bezerra Junior), acolhendo mulheres vítimas de abuso doméstico, nos leprosários e hospitais, na rua. Está em igrejas que acolhem os desprezados e abandonados, que pregam o evangelho verdadeiro, que gera discípulos críticos que pensam e agem em conformidade com os passos de Cristo. A igreja que vive na prática a missão mencionada um pouco acima, escrita em Lucas 4: trazendo boas novas aos pobres, libertando os cativos e oprimidos. A igreja que sabe que o cristão não vive para si. Não ama só os que o ama, não serve só os que podem trazer benefício.

Que nesse domingo de Páscoa, possamos lembrar de algo evidente nas Escrituras, que a cruz, instrumento de dor e sofrimento se tornou em símbolo de salvação e vida.

Portanto, aos cristãos que preferem usar as cruzes ainda para acusar, prender e punir os outros, mesmo que possam estar errados, lembrem-se:

A igreja só vive quando a cruz está vazia.

--

--

J. Almança

Construindo uma vida não-cartesiana. // Building a non-cartesian life.