Jardins de Chuva e a Resiliência das Metrópoles

Ou como a pequena Vila Jataí, na zona oeste paulistana, mostrou na prática que drenagem urbana sustentável é uma missão possível.

Ulrich Zens
6 min readMay 2, 2016

Estão em discussão na cidade de São Paulo medidas de drenagem urbana sustentável. O objetivo é alcançar resiliência frente aos problemas ambientais relacionados às mudanças climáticas que se apresentam, principalmente, em três tipos de ocorrências extremas: chuva, seca e calor.

A iniciativa da prefeitura de São Paulo apoiada por várias organizações e especialistas inclui os “jardins de chuva” como uma das medidas práticas a serem adotadas.

Jardim de Chuva, Vila Jataí, 09 meses depois do plantio, 17 de dezembro 2016. Foto: Zuzu

A inspiração para este artigo veio da minha participação na implantação do jardim da chuva da Vila Jataí no mês de abril de 2016. A iniciativa foi dos moradores da Vila Jataí, um pequeno bairro localizado na Zona Oeste de São Paulo, junto com a subprefeitura de Pinheiros, projeto técnico e supervisão do escritório de arquitetura Incriatório, do qual sou sócio junto com o João Pedro Cilli David.

Este artigo explica o porque esse é o caminho certo!

O Case: Jardim de Chuva, Vila Jataí / São Paulo

Foi implementado no abril 2016 no bairro Vila Jataí um “jardim de chuva” num canteiro verde, integrado na área do cruzamento da Rua Livi com Rua Padre Cerda.

Detalhe do projeto mostrando a parte que fica coberta pelo solo e vegetação

A instalação foi muito significativa, pois é um modelo de uma abordagem sustentável para espaços públicos em vários aspectos:

· Participação dos moradores

A instalação foi iniciada pelos moradores, que fizeram uma proposta para a Subprefeitura, de instalar mais canteiros verdes no Bairro Vila Jatai, dentro dos espaçosos corredores das ruas. A subprefeitura aprovou o conceito e as obras, pois trazem mais qualidade ambiental e podem diminuir a velocidade do trânsito dentro do bairro.

· Superação do processo de desenvolvimento

A subprefeitura ainda não tem entre os serviços e materiais contratados condições de executar totalmente um jardim de chuva. Para facilitar o processo, os moradores propuseram que o conceito do jardim de chuva fosse implantado em um dos canteiros. Forneceram um conceito diferente, o projeto técnico (do Incriatório) e materiais específicos (bidim, piso vazado e plantas). Desse jeito, a obra pode ser executada de um jeito diferente, contando com a participação dos cidadãos.

· Transformação

Os canteiros verdes, em geral, e o jardim de chuva, em específico, trazem ativamente uma nova qualidade urbana para o bairro, e podem virar uma referência para outros lugares comparáveis na cidade.

Os resultados positivos alcançados vão além da áreas de implantação:

Antes: visita técnica para escolha do local
Funcionários da subprefeitura de Pinheiros em ação
Moradores e vizinhos colocaram mãos à obra para o plantio e coleta de plantas.

Melhoria do Macro Clima do bairro

Com redução da área asfaltada e incremento da área verde o balanço de radiação do bairro já é positivo: mais sombra (a vegetação dos canteiros pode sombrear áreas asfaltados no entorno) e menos aquecimento. Essa é uma contribuição direta contra os efeitos das ilhas do calor, grande problema climático e de saúde na cidade.

Proteção preventiva contra enchente e alargamento

Ao contrário do asfalto, as áreas verdes são capazes de reter e infiltrar a água de chuva no subsolo. Nessas áreas, a água da chuva não entrará no cálculo da drenagem nem no sistema de galerias, que tem capacidade insuficiente em ocorrências extremas.

No caso da Vila Jataí isso se dá num horizonte drenante abaixo da área do plantio que pode ser visto no detalhe do projeto acima. Ele permite ainda mais funções desejáveis: fornece umidade para uma vegetação especialmente adaptada às áreas e alimenta o lençol freático no subsolo.

A vegetação do canteiro de chuva faz a parte complementar nesse conceito: as raízes das plantas seguem a umidade no subsolo e desse jeito abrem-no para uma infiltração melhor/mais rápida. E isso prepara o canteiro para receber as águas da próxima chuva.

A transpiração das folhas acelera o esvaziamento do água estocada na área de retenção. É mais um efeito positivo.

Melhora a situação do lençol freático

Por conta da impermeabilização da cidade com edifícios, pavimentação de ruas, calçadas e quintais, o lençol freático está em declínio. Com os canteiro verdes –executado na forma de jardins de chuva- a situação pode melhorar.

Todos espaços abertos têm a capacidade de se transformar nesse sentido, seja um corredor da rua, uma área industrial, o estacionamento de um shopping ou um lote residencial.

Contribuição para a qualidade do ar

Além de diminuir as temperaturas altas por conta da sombra e da transpiração das folhas, as áreas verdes — incluindo os canteiros — criam diferenciais de calor na escala do micro — e macroclima, beneficiando o deslocamento de volumes de ar.

Em microespaços de vegetação densas, o movimento da ar é reduzido até a zero, permitindo a sedimentação da poeira atmosférica na superfície foliar. Com a próxima chuva, essa poeira cai no solo e vira terra, fixado-se no lugar: a poeira não mais vai volta ao ciclo atmosférico da cidade.

O jardim de chuva no início de novembro de 2016, antes da estação das chuvas.Tomates, flores, ervas medicinais e um oásis para abelhas e outros insetos.

Atualmente essas poeiras se constituem num grande problema com capacidade de causar inclusive câncer como pode ser constatado em estudos que tratam do efeitos negativos das poeiras. Existem vários estudos também, na Alemanha por exemplo, que provam funcionalidade e contribuição da vegetação para a qualidade do ar urbano.

Por conta desse fenômeno, canteiros ao longo das ruas –e especificamente um jardim de chuva com vegetação especial, tem uma função muito importante: “filtrar” a poluição que chega com o movimento do ar (inclusive criado pelos carros) e passa pelo canteiro.

A missão Possível

Encontrar soluções para problemas tão grandes, diversos e complexos resultados dos efeitos já concretos das mudanças climáticas parece uma missão impossível para serem resolvidos no curto prazo.

Porque não trabalhar com medidas complementares para diminuir os impactos e fazer a cidade mais resiliente?

São necessárias novas técnicas? É complicado? Vai ser muito caro?

Você pode acreditar que tem soluções viáveis, simples, naturais, e eficiente, e -mais ainda- lindas?

A resposta é sim: aproveitar de lugares apropriados e implementar sistemas na base de vegetação multifuncional é o caminho para complementar os esforços e providenciar um grande alivio para a cidade contra os eventos extremos e num em prazo muito mais rápido.

Quem está com olhos abertos e tem um pouco consciência ambiental já viu ou ouvi falando de telhados verdes, jardins verticais, corredores verdes; — talvez também da fitorremediação ou biorremediação, biovaletas ou jardins de chuva. Tudo isso faz parte de um paisagismo multifuncional. É sobre isso que estamos falando.

Vamos nessa?

No próximo artigo, os números que comprovam a eficiência e contribuição efetiva dos sistemas multifuncionais de vegetação.

Sobre o autor:

Uli Zens é arquiteto paisagista. Natural da Alemanha tem mais de 30 anos de experiência realizando e implementando projetos nas áreas de espaços abertos, drenagem urbana e sistemas multifuncionais de vegetação na Alemanha e Arábia Saudita. Atualmente vive no Brasil onde é sócio do escritório Incriatório, responsável pelo projeto técnico do jardim de chuva da Vila Jataí.

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Ulrich Zens

Uli Zens é arquiteto paisagista expert em Sistemas Multifuncionais de Vegetação e espaços abertos. Sócio do Incriatório. Vive no Brasil desde 2010.