TÁ NO AR: A IGREJA NA TV

ultra jornal ceunsp
3 min readMay 21, 2017

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Clip-art do MS PowerPoint.

Programas religiosos, produzidos por igrejas e veiculados na televisão mediante locação de horário: a primeira emissora lembrada é, provavelmente, a TV Record. Um relatório produzido pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema), e divulgado ano passado pela “Folha de São Paulo”, revela que em 2015 o canal de Edir Macedo destinou 21,7% de sua grade a esse tipo de programação, beneficiando a igreja cujo líder e fundador é o próprio dono da emissora. De fato, além da briga pela audiência, a Record aqui também assume a vice-liderança: entre os canais abertos, somente a Rede TV! a supera, com 43,4% de seu tempo destinado a programação religiosa.

Sem entrar no mérito do conteúdo veiculado, é no mínimo controverso que empresas de comunicação que operam uma concessão pública vendam muitas horas de sua grade para grupos religiosos que podem pagar pelo serviço, em detrimento dos demais que não tem os recursos suficientes. E isso ocorre num Estado oficialmente laico, que proíbe o favorecimento a qualquer religião e que busca assegurar a livre expressão de todas as crenças.

Além disso, podemos argumentar que essas emissoras se aproximam da ilegalidade à medida que violam a proibição de destinar mais de 25% de sua grade para fins comerciais, devendo também exibir conteúdos de interesse público, educativos e produzidos localmente (Lei nº 4.117/1962 — Código Brasileiro de Telecomunicações). Contudo, se somarmos as horas de programação religiosa à publicidade comercial “tradicional”, iremos concluir que não apenas a Rede TV! e a Record descumprem a legislação do setor.

Outro aspecto importante é que a estratégia comercial de alugar horários a programas religiosos também pode ser entendida como uma forma de subconcessão, o que também é proibido por lei (Lei nº 4.117/62 e Decreto 52.795/63). Para operar um canal de TV ou de rádio, as emissoras devem vencer uma licitação e seguir uma série de regras em relação ao conteúdo e à programação, cabendo ao Ministério das Comunicações fiscalizar todo o setor. Logo, a empresa que detém a concessão desse serviço público deve explorá-lo diretamente ou restituí-lo à União, não podendo transferi-lo a terceiros. Mas não é isso que ocorre no país. Tanto que, de acordo com reportagem do jornal “O Globo”, o Ministério Público Federal iniciou investigações com o objetivo de apurar eventuais irregularidades decorrentes da veiculação de programas religiosos.

De qualquer forma, os abusos nessa área não são recentes. Historicamente, os meios de comunicação brasileiros foram estruturados de maneira a privilegiar sua concentração nas mãos de poucas empresas, as quais passaram a dispor de grande poder e riqueza, controlando o mercado das telecomunicações e estabelecendo alianças com a elite política do país. É a permanência da proximidade entre os governos e esse grandes grupos que, na prática, privatiza essa concessão pública e dificulta a implantação de alterações significativas no setor. Somente a efetiva da fiscalização pelos órgãos públicos competentes, acompanhada pela vigilância da sociedade civil, é que pode modificar essa realidade nos próximos anos.

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Escrito por Marshall Barbi, graduado em Ciências Sociais pela UNESP/FCL Araraquara e estudante de Jornalismo no CEUNSP — campus Salto.

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Para saber mais:

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1782416-uma-em-cada-5-horas-na-tv-aberta-e-destinada-a-programacao-religiosa.shtml

https://oglobo.globo.com/brasil/mpf-investiga-venda-de-horarios-para-igrejas-nas-emissoras-de-tv-21115795

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/radio-e-tv-no-brasil-uma-terra-sem-lei-8055.html

http://tvhistoria.com.br/NoticiasTexto.aspx?idNoticia=3518

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