Formas tradicionais de comunicação facilitam a promoção dos serviços sociais em Angola
Chegámos ao Moxico de madrugada. O nosso avião aterrou na capital da província angolana, Luena, mas rapidamente nos fizemos à estrada para um dos seus municípios, o Lucusse, a 113 chuvosos quilómetros.
Viemos encontrar-nos com os protagonistas da Municipalização da Acção Social, os activistas sociais, para juntos entendermos como falar de Acção Social às suas gentes. Os activistas sociais são mulheres e homens da região que, com o apoio das autoridades tradicionais e líderes religiosos, vão identificar nas suas comunidades casos de pessoas em situação vulnerável e encaminhá-los para as soluções de protecção social existentes no País.
A Municipalização da Acção Social, um modelo do projecto APROSOC (Apoio à Protecção Social), tem como principal objectivo a descentralização dos serviços de acção social. Levar esses serviços para mais perto da população, através dos activistas, é o seu principal objectivo. Um projecto do Governo de Angola, o APROSOC é financiado pela União Europeia e está sob a responsabilidade do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, que conta com o apoio técnico e de implementação do consórcio Louis Berger e do UNICEF.
O Moxico é uma das províncias onde se irá desenvolver o projecto-piloto deste modelo, e foi onde conhecemos os activistas pré-seleccionados do Lucusse e de Kamanongue. Em todas as comunidades que visitamos fomos recebidos com umas calorosas boas-vindas em Tchokwe, uma das principais línguas locais.
Em Angola, apesar da língua oficial ser o Português, existem mais de 20 línguas nacionais e dezenas de dialectos. Nesta província, a de maior expressão é o Tchokwe, com muitos falantes de Luvale e Umbundo também. Todos se entendem, existe alguma semelhança entre estas línguas nacionais e quase toda a população domina o Português. As gargalhadas e os abraços são quase sempre em Tchokwe. É a língua de casa, dos afectos. E terá de ser também uma das línguas da Municipalização, prevendo assim a tradução do material informativo e dos manuais para a formação de activistas.
A proximidade e a confiança devem ser características fundamentais da protecção social e dos seus agentes locais, os activistas. Foi com eles que, através de diferentes dinâmicas de grupo e jogos relacionados com a forma de comunicar, chegámos a um dos mais poderosos canais de transmissão de mensagens em Angola, a tradição.
O impacto da tradição das narrativas orais em Angola
No país, para entendermos a comunicação a nível local é necessário falar de autoridades tradicionais: os sobas. Das grandes cidades às pequenas aldeias, os sobas são gestores sociais que juntamente com as administrações locais orientam as populações. Homens e mulheres geralmente mais velhos, os sobas têm mantido a tradição de narrativas orais em Angola, convocando os ondjangos, encontros comunitários que pelo Moxico, e em Tchokwe, se designam de txota!
Em Musseringinge, uma regedoria de Camanongue que nos recebeu nesta visita, funciona assim:
O regedor, que recebe informação actualizada da administração comunal, mantém encontros periódicos com os sobas das aldeias, que as passam à comunidade. Existem duas formas distintas de transmissão de mensagens, os “ondjangos”, para os quais a comunidade é convocada (às vezes por megafone) e, debaixo de uma sombra, se reúnem para conversar com o soba; ou através dos “mensageiros”, mulheres e homens que, porta-a-porta, transmitem as mensagens importantes.
Os métodos também são válidos para saber as últimas notícias do país e do mundo. Sem acesso, ou com acesso limitado a energia eléctrica, o que condiciona a utilização da rádio ou da televisão, muitas aldeias sabem as novidades através do fluxo de comunicação tradicional.
O primeiro contacto com os serviços de Acção Social começa no momento em que o Activista Social cumprimenta a comunidade, identifica casos de vulnerabilidade e sabe adaptar a sua narrativa aos interlocutores, ouvindo, dialogando e promovendo a participação. Para encaminhar um caso para os diferentes serviços sociais é preciso entender e ser entendido, tornando assim óbvia a necessidade de utilizar o fluxo de comunicação tradicional para o trabalho dos activistas.
Habituados à transmissão oral de conhecimentos, os mais-velhos em Angola têm um poder narrativo muito grande, são praticamente especialistas na transmissão de mensagens, contando histórias com uma linguagem simples e expressiva. O seu conhecimento e técnicas de narrativas tornam-se essenciais para cumprir a proximidade e confiança que os activistas devem ter junto às populações vulneráveis.
Foi a Tradição que nos apontou o caminho para a transmissão efectiva de mensagens a nível local: unir a energia e domínio de novas ferramentas de comunicação dos mais jovens com o poder da tradição oral dos mais-velhos.
Assim, o UNICEF e os activistas de Kamanongue e do Lucusse vão preparar ondjangos com as autoridades tradicionais e líderes religiosos para discutirem a Municipalização e, através do fluxo de comunicação tradicional já existente, levar os serviços de Acção Social às comunidades. Marcaremos também encontros com professores, técnicos de saúde e catequistas para, debaixo da sombra de um imbondeiro, falarmos da importância da protecção social. Passaremos a informação através da tradicional roda de conversa e contamos com a ajuda de todos os megafones dos mensageiros dos sobas.
Regressar a Luanda, a capital do País, deixa muitas saudades do Moxico, seus municípios, regedorias e aldeias — das suas pessoas. Depois de comprar os deliciosos cogumelos e mel da zona e de teclar os longos relatórios, esperando já pela decolagem do avião, as mensagens vão chegando através de uma das ferramentas mais poderosas da comunicação: a simpatia.