Mais um texto sobre o #DesafiodaMaternidade

Vanessa Franquilino
6 min readFeb 19, 2016

--

Disclaimer: Esse é mais um de muitos textos sobre a brincadeira surgida no Facebook conhecida como #DesafiodaMaternidade. Antes de prosseguir nessa leitura, preciso que entenda uma coisa. É um relato pessoal baseado unicamente na minha experiência como mãe e toda observação feita será com essa lente. Não quero emitir opiniões definitivas, até porque somos seres humanos em construção e detesto essa sede quase sebastianista que os leitores tem de achar que um texto tem que ser um manual definitivo conduta. É só mais um texto, não um compêndio.

“Se você não está cansada. não está fazendo isso direito”

Semana passada soube desse desafio da maternidade, um jogo no Facebook onde as mulheres são desafiadas a postar quatro fotos que representem momentos em que mais amam ser mães, através de um texto de uma mãe muito querida,que problematizava a questão. Ela relatou ali que não participou, basicamente, por repudiar a romantização da maternidade. Não vou entrar em detalhes sobre como essa romantização massacra diariamente as mulheres vendendo-lhes um modelo inalcansável até porque cobrar perfeição abnegada das mulheres não é nenhuma novidade. E o texto também levantou uma questão que me intrigou: esse tipo de celebração da maternidade acontece sempre que o assunto aborto legal está na agenda dos debates.

Apesar de entender e concordar, não me incomodei ao ver #DesafiodaMaternidade no Facebook. Gosto de acompanhar o desenvolvimento das crianças das amigas, rir com as postagens, ver bebês fofos e muitas coisas do universo infantil. Os desafios traziam fotos legais, de momentos felizes, quem não gosta de momentos felizes?

Cheguei a concordar também com uma conversa no twitter com uma amiga grávida também militante sangue-nos-olhos, que a gente deveria desligar o botãozinho da problematização um pouco. Muitas sabemos sim (mesmo que em silêncio) que a maternidade é pesada, problematizamos a romantização, damos nossos relatos do lado B materno, então porque seria ruim mostrar que também pode ser bom? Por que ficar importunando as mãe que estavam mostrando sua felicidade nesse lamaçal que é ser mãe?

Aí descobri o quanto fui ingênua em pensar assim.

Uma mãe com um bebê recém-nascido fez um relato ressalvando que ama seu filho, mas odeia ser mãe. Foi o suficiente para ser alvo de mensagens de ódio e ter sua página derrubada.

Literalmente a calaram e a expulsaram. Uma violência.

Aí a coisa ficou séria. De um lado, as mães ofendidas. Do outro, quem correu para defender a moça dizendo que ela tava com depressão-pós parto e precisava ser tratada.

Se uma mãe não está absolutamente feliz com sua cria, ela só pode estar doente.

Se uma mãe está feliz com sua cria, ela está romantizando a maternidade e, claro, mentindo.

Encontrar um relato de uma mãe que queira cortar os pulsos à dentadas no puerpério pode ser reconfortante para quem está na mesma situação. A maternidade é solitária. Somos banidas dos espaços públicos, dos círculos de amizades e muitas vezes, do ambiente de trabalho. Se solteiras, somos preteridas nos relacionamentos por “vir com bagagem”.

Vou voltar um pouco no tempo antes de concluir meu raciocício.

Fiquei grávida sem planejar. Foi um choque. Junto com o exame positivo, tudo, literalmente, desmoronou. Tive que sair do trabalho, o relacionamento acabou, os amigos se afastaram e saí da casa da minha mãe e irmãos para morar sozinha com minha futura filha. Ou seja, de uma única vez, perdi trabalho, amigos, casa, e tudo que eu conhecia como meu mundo. Tudo. A Vanessa que existia antes morreu. Uma morte súbita e violenta. E sim, assim como a mãe que foi banida do Facebook, vivi meu luto pela mulher que eu fui.

A internet era minha janela. Passava dias e dias sozinha, então era o único lugar que podia conversar com pessoas. Os posts felizes no facebook me magoavam muito, mas o problema não era deles o problema era comigo. Entrei num grupo do Facebook de mães solteiras e levei outra paulada. Aquilo era um depósito de mágoas. Todos os posts tinham relatos dolorosos, de abandono, de desespero, de raiva. Mulheres destruídas emocionalmente por não alcançar o ideal da maternidade e família de comercial de margarina. E ali podiam colocar tudo pra fora, e isso é bom, certo? Sim, mas nem tanto. A mágoa se retroalimentava. Os posts lotados de mágoa ganhavam comentários com ainda mais mágoa. Qualquer post oferecendo alguma ajuda prática, era ignorado. Não comentavam caminhos para correr atrás de questões práticas da vida de uma mãe solteira. Afinal, se já é difícil tendo um companheiro, por mais inúltil que seja, imagina com toda família e sociedade te julgando?

Saí desse grupo para sobreviver. Saí do facebook para não me torturar mais.

Mantive o foco na minha vida prática, nos móveis pra comprar, no emprego, em cobrar do pai que cumprisse as responsabilidades, em cuidar da saúde e segui.

Já superei muitas coisas, tenho uma vida bem melhor com emprego, amigos, dinheiro (pouco), uma filha esperta e saudável. E amo posts de bebês fofinhos no facebook.

Porém acredito que se um desafio da maternidade fosse lançado naquela época, eu teria destino igual ou pior dessa mãe banida do facebook.

Reforço que não estou me colocando acima, como a mais iluminada ou evoluída. Muita mágoa ainda habita em mim e os fantasmas me visitam sempre, só consigo, pelo tempo nessa empreitada, dar meu relato como sobrevivente.

Tem dias que quero cavar um túnel no chão com uma colher e fugir. Tem dias que acho tudo incrível. Se odeio ser mãe? Não sei. Não me lembro mais como é não ser. A maternidade me mudou tão profundamente, que não dá mais para distinguir os resquícios de uma vanessa que um dia existiu no mundo. Assim como muitas outras coisas que passei e passo, vão me deixando marcas e aprendizados. Sou grata pelos desafios, me fazem maior. E é justamente daí que tiro forças pra lutar todos os dias.

Voltando ao assunto

E, conforme muito discutido até então com esse caso do #DesafiodaMaternidade, a vida de quase todas as mães, em maior ou menor grau, é isso aí. Altos e baixos. Dias de querer fugir pra marte e outro querem largar tudo pra ficar colada lambendo a cria.

E, assim como no grupo de mães solteiras que relatei ali em cima, é necessário desabafar. Trocar experiências ruins e saber que não está sozinha. É preciso, mais que isso, é vital ter um espaço de acolhimento onde possa desmoronar, já que cobram que as mães sejam fortes o tempo todo. É imprescindível tirar o lado ruim da maternidade das sombras e mostrar pra outras mulheres que não é igual na novela. Ou que ela não é um lixo porque não consegue fazer seu bebê comer tudo se no grupo do FB que ela frequenta, todos os bebês comem de tudo.

Entretanto sinto o mesmo incômodo hoje com toda essa polêmica do #DesafiodaMaternidade que senti naquele grupo de mães solteiras. Uma sensação de “tá, e daí?”. O que vamos construir a partir dessa experiência? Como superar as dificuldades da nossa condição? Como vamos lutar para que outras não passem pelas mesmas coisas? Quem romantiza a maternidade? É um movimento autônomo das mulheres descolado da estutura patriarcal da sociedade? Penso que não.

E mais.

Quem é o alvo da nossa indignação? As outras mães? Cadê os pais nessa história toda? E as famílias? E a sociedade?

E a mídia? Nos representa com essa maternidade idealizada e inalcançável? O que podemos fazer? Como podemos unir todas as mães se compartilhamos praticamente da mesma experiência?

por mais maternidade no feminismo

Não tenho as respostas. Não sei. Quero que me ajudem a entender. Só me entristece que, no fim, vira a velha batalha de mais mãe e menos mãe.

A grande maravilha do Medium é que ele é colaborativo. Se quer criticar, somar, defender seu ponto, mostrar onde errei (sei que sim), só puxar a cadeira, sentar, pegar um café e vamos conversar aí nos comentários.

--

--

Vanessa Franquilino

Mãe da Sophia, jornalista e feminista hardcore. Escrivinhadora e fotografeira nas horas vagas. Sonhadora full time.