A jornada solitária de lidar com problemas de saúde mental

Nicole Nissola
4 min readApr 13, 2022

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English version here.

** Antes de começar, um aviso de que esta história pode conter gatilhos.

Eu tinha 17 anos quando eu tive minha primeira crise de ansiedade, logo depois as crises de pânico vieram. Eu fiquei assustada, não sabia o que estava acontecendo comigo. Nada do que vivi se comparava aquilo.

Era como se algo ruim estivesse crescendo dentro de mim, algo que eu não podia explicar ou controlar, era apenas incrivelmente doloroso. Era como se houvesse um monstro comendo minhas entranhas e eu não conseguisse impedi-lo. Minha mente estava confusa, e eu sentia muito medo de todos, inclusive de pessoas que eu conhecia e confiava, como minha própria mãe. E ela estava igualmente assustada em me ver daquela maneira.

Depois de mais algumas crises eu comecei a fazer terapia, onde fui entender melhor o que estava acontecendo comigo, embora ainda não soubesse como controlar. A dor era tão intensa às vezes que eu me machucava para ver se a dor física cessaria a dor emocional. Não funcionava. Eu então fui medicada, pílulas que não me faziam feliz, mas me desligavam. Era como se as luzes se apagassem e eu finalmente pudesse descansar. Simplesmente descansar.

Já se passaram 20 anos com as crises mais, ou menos intensas, eu sigo fazendo terapia, eventualmente preciso de medicação, as cigatrizes sumiram, eu consigo controlar os episódios melhor, eu entendo o que acontece comigo, mas eu sigo com esta condição. Eu ainda estou entendendo meus gatilhos e como lidar com eles. É um exercício constante de observação, conhecimento e uma jornada bem solitária.

Nestes 20 últimos eu também namorei bastante, fui há muitas festas, viajei, fiz muitos amigos, me graduei e pós-graduei, me mudei para 3 países diferentes, me casei e divorciei, trabalhei em diversas áreas, fui promovida muitas vezes e tenho uma carreira de sucesso. E a maioria das pessoas que cruzaram meu caminho durante esse período nunca souberem do meu problema.

Muitas vezes eu tentei pedir ajuda, mas as pessoas não me levaram a sério, e outras vezes senti que as pessoas me viam como um fardo pesado de carregar.

Eu sou uma pessoa incrivelmente positiva e estou sempre disposta a ajudar os outros. Sou colorida e iluminada, e não apenas quando as pessoas estão olhando, eu realmente canto sozinha quando estou em casa e danço na rua com os postes. Mas eu tenho certeza que não foi assim que você me imaginou lendo esse texto.

Garota Interrompida (1999)

Quando as pessoas pensam sobre saúde mental elas tendem a imaginar alguém como Angelina Jolie e Winona Ryder em Garota Interrompida, e outros personagens da cultura pop que pintam dessa maneira exagerada os problemas de saúde mental e as pessoas como "loucas". Mas ainda bem que estamos em 2022 e agora (sic) temos mais acesso a informação e tratamento, e obrigada a Franco Basaglia e todos os profissionais de saúde que tem promovido a reforma psiquiátrica.

Para as mulheres os estigmas são ainda piores, pois somos muitas vezes questionadas por nossos hormônios e carregamos a fama de "histéricas". E embora exista essa ideia de que somos mais capazes de expor nossas fraquezas, vivemos num tempo em que mulheres são " guerreiras", "fortes" e precisam ter uma performance incrivelmente alta. São muitas expectivas em torno da carreira e da família (e não fosse tudo isso, ainda precisamos parecer bem, pois ninguém respeita uma mulher "desleixada").

Eu gosto de pensar em saúde mental da mesma maneira que pensamos sobre saúde física, a parte complicada aqui é que a dor física é muito mais fácil de ver e entender. E eu compreendo isso, mesmo para mim ainda é difícil explicar o que sinto ou porque isso acontece. Mas toda dor deve ser levada a sério. Ninguém gosta de estar doente ou sofrendo, e às vezes a única coisa que as pessoas precisam é se sentirem acolhidas em sua condição. Sem julgamentos, sem preconceitos, sem diagnósticos, sem conselhos, apenas um pouco de gentileza e carinho. Para todo o resto, há médicos altamente qualificados, terapeutas e nossa amada ciência.

E isso é apenas parte de quem eu sou, é a maneira como meu cérebro funciona. Todos esses anos lidando com essa condição também me deram algumas vantagens, me conheço muito melhor, realmente cuido bem do meu corpo e da minha mente, e desenvolvi um grande senso de empatia por todos. Eu não sei com o que cada pessoa pode estar lidando, e eu realmente não me importo em não saber, mas eu vou sempre respeitar todas as dores e estarei de braços e coração abertos para acolher.

Esta estrada nem sempre precisa ser solitária ;)
(Demorei 38 anos para descobrir isso, mas agora sei que há muitas mãos para segurar neste caminho.)

E essa sou eu (na maior parte do tempo ;) )

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