Acontecimentos recentes têm-me feito notar o quanto pessoas próximas a mim, que se consideram «conservadoras», não o são de facto. Já vos explico.
O pensamento conservador moderno surge, sobretudo, no âmago da utopia das revoluções. Muito antes do século XX, onde a realização de projetos políticos totalitários como o nazismo e o comunismo levaram à morte de dezenas de milhões, a Revolução Francesa . O conservador é, antes de tudo, um cético.
A experiência francesa nada tem a ver com a inglesa, como se pode deduzir da deposição do rei Jaime II na Revolução Gloriosa — chamada assim pela ausência de derramamento de sangue —, ocorrida numa nação de intensa tradição constitucional. Foi Burke, baseado na compreensão correta da natureza humana (longe dos devaneios e idealizações de iluministas como Rousseau), que previu os corretos rumos daquele acontecimento histórico.
A sua denúncia baseava-se nos devastadores efeitos da reconstrução da ordem social baseada na ruptura total. De maneira semelhante, Tocqueville definiu que, naquele momento, institui-se um «credo» secular. O objetivo? A perfeição.
E Burke estava certo. O Período do Terror e a sua guilhotina foram responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas. O conservadorismo nasceu, portanto, da preocupação com a perversão da imaginação moral que ilusões como aquela provocavam.
Mas, na minha opinião, a definição mais interessante foi formulada por Michael Oakeshott. De acordo com ele, o conservadorismo trata-se de uma «disposição»; uma inclinação àquilo que possuímos familiaridade.
Conforme escreveu o filósofo inglês no ensaio “On Being Conservative”:
Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica.
Logo, por definição, o conservadorismo não pode ser mais uma crença política. Toda e qualquer tomada de decisão deve partir de uma análise ponderada da realidade concreta.
O genuíno conservador não se pode guiar por ideologias; não deve partir de doutrinas formais ou seguir posições adoptadas a partir de raciocínios gerais abstratos. É justamente o oposto! Diferentemente de, por exemplo, socialistas e liberais, ele não segue um sistema doutrinário fechado através do qual julga, a priori, todo o resto.
A «disposição» de Oakeshott contrasta fortemente com a soberba do racionalismo, herdeiro-mor do Iluminismo. Ela está assente na experiência, no respeito às instituições existentes — filhas de um vasto processo histórico —, na reação natural ao danoso e na relevância do pensamento autónomo.
Ideologias são limitadas para capturar a amplitude da realidade. Ela é demasiado complexa, possui contradições e nuances imprevisíveis para o formalista. Diante de um mundo cheio de imperfeições, há que seguir a «política da prudência» de Kirk.
Assusta-me a quantidade de gente que, ainda que acredite pertencer à direita política, adere a preceitos rígidos, seguindo verdadeiras receitas de bolo para as mais diversas sociedades. Esse comportamento é, sem dúvidas, revolucionário.
Soluções one-size-fits-all jamais terão qualquer espaço no conservadorismo.