Peixes Grandes em 140 BPM

Guto Magalhães
3 min readJun 26, 2017

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Vince Staples é um MC bem produtivo. Só pela Def Jam, o crip de Long Beach lançou uma uma mixtape (Shyne Coldchain 2), dois EPs (Hell Can Wait e Prima Donna) e 2 álbuns (Summertime 06 e o novíssimo Big Fish Theory). É muita coisa, por que Vince tem muito a dizer. Hell Can Wait e Syne Coldchain 2 são páginas do mesmo livro. Gangeragem e política se misturam, com toque autobiográfico. Staples conhece bem suas raízes e sua cultura, mas insere sua música num panorama maior, são os problemas de um jovem pobre negro (drogas, violência, pobreza, ausência paterna).

Summertime 06 é o ápice dessa fase. Guiado pelo lendário produtor No I.D, Vince dá um rolê completo por Ramona Park. Crips e Bloods, abuso policial, amores mal resolvidas. Está tudo lá. A produção é imaginativa, sinistra e paranóica. O flow de Vince é duro e hipnótico. I’m a gangsta Crip, fuck gangsta rap. Liricamente, Staples é mais um da linhagem que começou com N.W.A e Snoop Dogg, mas produção em Summertime 06 não é o que você espera de um álbum West Coast. É minimalista e experimental, bem longe do G-Funk. Não é som pra fazer C-Walk pelas ruas de Long Beach.

“Big Fish tenta dar as pessoas algo que elas nunca ouviram antes. Ganhando, perdendo ou empatando, Big Fish tenta inovar

A ruptura sonora que começou em Summertime 06, se desenvolve em Prima Donna e se completa em Big Fish Theory. Em Prima Donna, o príncipe da musica eletrônica experimental inglesa, James Blake, aparece duas vezes na produção. A faixa Big Time (produzida por Blake) é um um ótimo exemplo. É um crip song num beat de dubstep (o original).

Em uma das entrevistas pra promover Big Fish Theory, Vince disse que esse projeto era sua visão de “Afrofuturismo”. De Sun-Ra, a OutKast, passando por Itamar Assumpção, o sonho de um futuro preto é uma constante na música negra. Staples disse que era uma brincadeira, mas não importa. Big Fish é um experimento com as interfaces da músicas eletrônica e do rap, é afrofuturismo de fato .A interseção entre os dois gêneros – que são muito mais próximos que os fãs gostam de admitir — é explorado há anos por Danny Brown e GoldLink.

Rejeitado pelo establishment do rap, Danny Brown encontrou sua casa com os descolados da música eletrônica. Em 2010, Brown chamava seu som de híbrido. Suas ideias foram pela potencializadas pela gravadora Fool’s Gold do Dj e produtor A-Trak. Pelo selo, Brown lançou dois aclamados projetos, a mixtape XXX e o álbum Old. Atrocity Exhibition, lançado ano passado pela prestigiada Wrap Records, é a expressão máxima dessa visão. Danny se sente a vontade num beat em 140 BPM. Sua voz elástica e sua métrica incomum casam muito bem com instrumentais frenéticos. Soa natural. O mesmo não pode ser dito de Vince em Big Fish Theory.

Big Fish Theory é um trabalho ambicioso, sem sombras de dúvidas. Porém, em diversos momentos (“Alyssa Interlude” e “Pary People”, por exemplo), Vince não parece ter controle do que está acontecendo na faixa. O trabalho tem momentos inusitados e bem divertidos (“Yeah Right”, produzida pelo excêntrico SOPHIE e com um verso demolidor de Kendrick Lamar é um deles), mas o resultado final é um pouco confuso. Se arriscar e tentar algo novo é sempre positivo, se você souber pra onde está indo. Vince, apesar da coragem, parece um pouco perdido. Espero que ele reencontre seu caminho logo.

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