O êxodo de talentos do Brasil, diversidade e o apagão iminente

Victor Hugo Germano
6 min readNov 17, 2017

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Fonte: Discover São Paulo

Comecei uma thread no Twitter falando sobre a percepção e o problema da debandada em massa de profissionais brasileiros para outros países. (leiam as threads)

Começou com minha visão sobre desafios atuais das empresas no brasil:

Mega discussões, pode ler… E eu complementei melhor meu argumento no outro dia, com uma nova thread:

Não que isso seja novidade, mas percebo a intensificação da busca de talentos nos últimos dois anos por inúmeros países. Enxergo isso como um problema e uma oportunidade.

Antes de mais nada gostaria de dizer que já fiz esse movimento eu mesmo, tendo passado temporadas na Irlanda, Canadá e outros países atuando como dev, e que minha intenção não é explorar as motivações sob a ótica individual de uma pessoa entrando no bonde brasileiro de imigrantes qualificados. Nisso a Thread do twitter é perfeita, pois várias pessoas contribuíram. Não tivesse aberto a Lambda3, eu mesmo nunca teria voltado.

Entendo o glamour e o desespero de morar fora: acredite, nem tudo são flores. Uma frase nesse sentido que marcou minha vida, do Tom Jobim, dito por uma amiga:

Morar na Europa é bom, mas é uma merda. Morar no Brasil é uma merda, mas é bom.

A busca por crescimento de carreira, segurança, dinheiro, experiências e novas culturas seduz a todos nós, ainda que muitas vezes a realidade possa ser menos glamurosa do que blogs de viagem e nômades digitais fazem você acreditar. Mas é preciso viver as experiências para entender o que estou falando.

Bem, o que isso tem a ver no contexto de empregador e empresário no Brasil? É o que quero discutir aqui.

Fato: Poucas empresas hoje se preocupam com construir uma cultura de trabalho que seja inclusiva, acolhedora e que promova o crescimento profissional de funcionários. Gosto de acreditar que minha empresa tem uma cultura dessas. Assim como a Lambda3, acredito que empresas como Bluesoft, HE:Labs, Webgoal, Plataformatec, Thoughtworks e Way2 estão sim no caminho de termos uma indústria mais humana, de melhor qualidade e moderna. É com esses empresas que estou preocupado.

Empresas que cultivam uma cultura tóxica, arcaica, desumana e burocrática estão com os dias contados. E não digo isso em função do mercado. Digo porque as pessoas vão sair! Trabalhamos para um cliente que de uma semana pra outra todo o time de desenvolvimento dele (10 pessoas) simplesmente abandonou o barco, devido a uma cultura tão tóxica e violenta que as pessoas se organizaram para sair em peso. Deixo essas empresas para a seleção natural.

Na minha visão é iminente um apagão de mão de obra no Brasil. Não há como enxergar os números de vagas em tecnologia em nosso país e não se assustar:

"De acordo com o modelo usado no estudo, o mercado brasileiro teve, em 2015, uma lacuna de 195.365 profissionais capacitados e empregados em tempo integral, diminuindo para 161.581 em 2019. Esses números representam um gap de 41% em 2015 e 35% em 2019, respectivamente — sendo que metade desses postos não preenchidos será para pessoas que entendam as tecnologias emergentes." — ComputerWorld

Pensando nas novas buzzwords do momento, estamos em sérios problemas. Investimentos em IoT, Inteligência Artificial, etc, são dificultados não apenas pelo acesso a dinheiro, mas pela falta de mão de obra qualificada. No Brasil, apenas 7% da população trabalha com algo relacionado a tecnologia — e nem estou falando em desenvolvimento de software. Como atender à demanda estimada de 770 mil postos de trabalho para a América Latina?

Entende que o problema é muito maior do que criar uma baita cultura em nossas empresas? E que é um problema para ser tratado nas esferas públicas e privadas? É sobre segurança, ensino, indústria e perspectiva de vida!

Quando olhamos para o aspecto das ciências, a história é pior ainda. O baixo investimento em alta tecnologia, ensino de qualidade e apoio governamental de longo prazo somente vão piorar a situação! Já vemos hoje um grande êxodo de profissionais. Corremos o risco de não existir mais pesquisas científicas no Brasil! Os resultados que tivemos, por exemplo, na pesquisa sobre o vírus da Zika, podem ficar para trás.

Fonte: ISTOÉ — O Êxodo de brasileiros

Nossa indústria não consegue competir com a oferta internacional de trabalho presencial ou remoto. Apesar da indústria de TI no Brasil pagar comparativamente muito melhor que a maioria das profissões, não acredito que exista elasticidade financeira para empresas cobrirem ofertas de emprego internacional no que toca em remuneração. Sem contar o fato de que salário não é o principal motivador de uma pessoa aceitar deixar sua família aqui para viver em outro país.

Vamos passar por um momento de não conseguir cumprir contratos, não alcançar expectativas de produção interna e eventualmente fechamentos de empresas que não conseguem profissionais para atuar em seus produtos e projetos! Todo o movimento de crescimento interno pode ser barrado pelo simples fato de não existir gente e expertise suficiente pra entregar! Olhando no contexto de 1 empresa, tudo lindo — mas quando falamos sobre uma indústria inteira que não tem mais força produtiva, começo a ficar preocupado.

Nossa liderança técnica e nosso capital humano deixando o país aos montes é uma grande perda para a sustentação do ciclo de renovação na indústria, um risco para a manutenção de nosso papel inovador e um atraso para o país. Sem uma política de incentivo interna, ficaremos para trás no mundo. Sem compromisso claro de governos e iniciativa privada de formação profissional, incentivo a tecnologia de ponta, incentivo aos pólos de tecnologia, dificilmente vamos ver esse quadro mudar.

Como pessoa, incentivo que todos tenham experiência internacional. Como empregador, me preocupa o êxodo de profissionais para o exterior. Neste momento, qualquer empresa que busque construir uma boa cultura, trazer um ambiente de qualidade, cuidado e crescimento, na tentativa de atrair os melhores talentos, está fadada a competir com dezenas de países inteiros ávidos por crescerem seus quadros de funcionários, numa guerra que parece perdida.

Diversidade, nessa visão pragmática, passa ser questão de sobrevivência! Fomentar, formar, contratar e investir em todo o espectro de pessoas maravilhosas de nossa sociedade é ampliar as chances de encontrar mais talentos, suprir uma demanda cada vez mais crescente de profissionais e de sobreviver nesse mundo de escassez de pessoas! Como não enxergar isso como positivo?

Nossa indústria é homogênea, goste você do tema ou não. Majoritariamente masculina e branca, sendo quase 70% do total de profissionais, segundo o Censo brasileiro de 2010. Assim, a área de TI perde a oportunidade de trazer e reter um contingente da população que simplesmente não se vê no nosso dia-a-dia.

Citando apenas alguns números: negros são +50% da população, e não chegamos nem em 10% na TI. Mulheres compõe 18% da força de trabalho técnica. João Horta Nunes fez um excelente trabalho de avaliação destes números, caso você goste de ler artigos científicos.

Diversidade nunca foi sobre substituir os profissionais existentes por um carnaval de pessoas diferentes cantando kumbaiá. É sobre trazer todo mundo pra dentro!! É sobre ter espaços que permitam que nossa indústria tenha mais profissionais, não menos! Além de tudo, existe também um papel social de toda essa iniciativa, de ampliação de renda, que não há como esquecer.

Por isso iniciativas como Rails Girls, Programaria, Arena Black Rocks, Women Dev Summit, Campus Pride, AfroPython, Codamos e tantos outros estão na linha de frente de resolver exatamente esses problemas! Por isso que o facebook abriu mais de 40 mil bolsas de estudo para ensinar programação, e tantas outras empresas buscando novos talentos através de programas de incentivo à programação e formação. Por isso precisamos construir ambientes que tragam estas pessoas para dentro, que busquem talentos e que fomentem habilitar novos profissionais.

Buscar ambientes mais diversos também é sobre abundância de talentos, sobre renovação de nossa indústria e sobre investir num futuro mais promissor de crescimento do nosso país. Pra isso é preciso mudar nossos conceitos de empresa, cultura e relações de trabalho.

Vamos nessa?

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