O vazio e a vida nas animações de jogos.

Vinicius Bech
7 min readMar 24, 2017

Animação é um tópico que surgiu fortemente nessas últimas semanas com o lançamento de Mass Effect: Andromeda, e eu sinceramente já estava pensando em escrever algo sobre o tema após jogar o recém lançado Nioh — já faz mais de um mês que saiu, ainda sim… Enquanto em Nioh, já estava estudando e lendo alguns artigos sobre animação em jogos, jogando ele consegui reparar em como suas animações eram vazias e sem peso, o que me chamou atenção por diversas razões, seja por ser um jogo focado em seu combate ou por ter sido desenvolvido por um estúdio que já produziu dezenas de animações espetaculares, mas a principal razão foi por ter sido desenvolvido por um estúdio japonês.

Para deixar isso mais claro vou precisar que você junto comigo faça uma divisão enquanto falamos sobre animação, para simplificar vamos dividir tudo isso em duas escolas, a Ocidental e a Japonesa. Enquanto na Japonesa temos exemplos de jogos como Bloodborne, Devil May Cry 4 e Nioh — sim, vou usar esses jogos como exemplo, na Ocidental temos Uncharted 4, Middle-Earth: Shadow of Mordor, The Witcher 3: Wild Hunt, e mais uma centena.

Enquanto no ocidente as animações priorizam o realismo motor nos seus personagens, como em Uncharted 4 Nathan conecta um soco atrás do outro de maneira pesada e sem exagero na velocidade com animações bem realistas, as desenvolvedoras ocidentais raramente implementam animações com intuito funcional ou intrínseco no jogo, por outro lado estúdios japoneses levam a produção das animações de um jogo a outro nível. O game design japonês já é por si só muito diferente do ocidental, é perceptível que os seus jogos são desenvolvidos em volta de suas mecânicas, em um jogo que a principal mecânica seja o combate corpo-a-corpo é necessário que suas animações passem o máximo de informação possível por si só, seja lhe dizendo que o inimigo está para atacar, ou telegrafando um ataque mais forte que pode arrancar um talo de seu HP, em Bloodborne vários de seus bosses possuem esses loops de animação — onde o boss vai ficar parado por algum instante, antes de pular em você, essa é a forma que o jogo encontrou de telegrafar o próximo ataque e fazer com que você preste atenção em sua presa, e esse é um exemplo bem claro, jogos como Devil May Cry 4 — e muitos outros character actions, utilizam o recurso de maneira muito mais dinâmica e orgânica, fazendo com que você naturalmente leia os movimentos do inimigo sem perder o ritmo e velocidade na luta. Agora do outro lado do mundo, jogos como Batman Arkham Series ou Shadow of Mordor se utilizam de prompts — setas/símbolos em cima do inimigo, que indicam quando vão lhe atacar, e até podendo mudar de cor para indicar que tipo de ataque você vai receber, fazendo isso a sutileza das animações é deixada de lado, passando assim as informações de uma maneira menos subliminar, obviamente é possível argumentar que devido a enorme quantidade de inimigos presentes na tela há uma necessidade de clareza ao passar essa informação ao jogador, mas ao mesmo tempo no new game plus dos jogos do Batman esses prompts são removidos para acrescentar dificuldade, porém ainda é possível jogar caso você já esteja acostumado com o combate.

Shadow of Mordor é um jogo que se utiliza de vários artifícios na execução de suas animações, aqui nem condeno o uso de prompts para alertar um futuro ataque, porque mesmo se utilizando disso as animações são ressaltadas o suficiente para que mesmo sem eles você consiga prever o ataque, mas o mesmo não é tão válido para quando você está enfrentando 20 ou 30 inimigos — a não ser que você seja uma máquina de destruição. Ainda no combate as animações são bem competentes, o jogo utiliza muito bem a câmera para dar um maior senso de movimento, há peso nas animações, tanto ao golpear quanto ao ser golpeado.
Ainda me estendendo nesse jogo ele possui uma habilidade quando seu combo chega a 8 hits — podendo diminuir para 5, você pode realizar um golpe que executa um orc dando início a brutais animações, e essas se utilizam de outro recurso que é o slow-motion, aqui aplicado para passar a impressão de brutalidade e força ao punir os inimigos, outros jogos se utilizam desse recurso e alguns não apenas nas animações, mas também aplicando-o em suas mecânicas, em Bayonetta e no recente The Legend of Zelda: Breath of the Wild se você esquivar de um ataque num momento exato tudo fica em slow-motion permitindo que você desça o braço no inimigo.

Witch Time em Bayonetta.

O slow-motion pode de várias maneiras fazer uma declaração de brutalidade, e até mesmo passar um certo senso de superioridade para o jogador, porém acredito que funciona bem em Shadow of Mordor porque quando o recurso está em ação o jogador não está no controle do momento, e — momento — é palavra chave aqui, pois ao utilizar o slow-motion perde-se completamente ele; como então, passar a sensação de força, peso, esforço ou brutalidade para o jogador sem que ele perca o momento?

É exatamente aí que entra o easing, um recurso de animação muito sutil que pode facilmente passar despercebido. O que ele faz basicamente é suavizar uma parte dos frames, colocando a impressão de peso nelas. Para melhor entendimento, observe as duas bolas abaixo, elas levam o mesmo tempo para se mover de cima para baixo, porém tem algo estranho na vermelha. Ela se movimenta de maneira muito artificial, como se física não se aplicasse nela, sem peso, sem gravidade, porém é claramente visível que peso e massa estão presentes na verde.

Perceba que a bola verde desce na mesma velocidade que a vermelha, porém quando ela volta ocorre uma leve desaceleração, em termos técnicos isso é chamado de ease-out, quando a animação começa rápida/normal e desacelera, obviamente ocorre o contrário, onde começa devagar e ganhar velocidade, aí é chamado ease-in. Veja abaixo isso aplicado em um jogo.

Animações ao correr em Witcher 3: Wild Hunt.

Entrando no que realmente importa agora, um jogo que utiliza muito bem o easing é Devil May Cry 4, o jogo é conhecido por proporcionar uma grande variedade de combos em seu histérico combate corpo-a-corpo, em muitos desses combos ataques mais fortes são conectados em meio a ataques rápidos e mais fracos, para ressaltar a ideia de força e esforço na animação o ease-in ou ease-out é aplicado, literalmente fazendo o personagem segurar a espada por um breve momento antes de golpear, como se realmente estivesse fazendo um esforço a mais. Veja abaixo como Dante desfere vários golpes, mas antes de dar um último e mais forte, dá uma breve segurada antes de golpear, fazendo com que você subconscientemente crie a ideia de que há uma força maior sendo aplicada no golpe

Para finalizar então, Nioh foi um jogo particularmente prazeroso de jogar, seu combate é excelente, prende sua atenção na tela de maneira que poucos jogos conseguem, porém suas animações pecam ao evitar o que faz com que muitos estúdios japoneses brilhem em jogos de ação, o exagero que só eles conseguem passar, a Team Ninja já mostrou que possui a competência em criar animações assim com Ninja Gaiden 2 (2008) e vários outros títulos, e acredito que se o mesmo tivesse sido aplicado em Nioh o vazio e tédio de suas animações seria substituído por horas muito mais palatáveis e estilosas.

Apenas deixando claro, eu não sou um profissional da área de animação ou de jogos, nem mesmo um estudioso da área, sou apenas um entusiasta que se interessa muito por isso e decidiu pesquisar e trazer uma discussão um pouco mais aprofundada desse assunto — e que fica feliz simplesmente em saber que alguém pode de fato ler e tirar algo de bom disso, mas enfim, sinta-se livre de compartilhar esse texto com seus amigos, em comunidades, pois quanto mais gente ler isso, mais animado eu fico para escrever mais coisas assim, deixe um comentário, uma dica de como posso melhorar, isso é sempre bem-vindo. Também, se tiver mais interesse no assunto, todas as fontes, incluindo artigos, vídeos, ensaios, estão disponíveis aí embaixo para você checar, assim como o vídeo do canal Turbo Button que me inspirou a escrever esse texto.
E bom, se leu até aqui, muito obrigado.

Fontes:

Animation in Action Games (vídeo que inspirou esse texto): https://www.youtube.com/watch?v=y2vCko6V4pQ
Creating Character Animation Assets: http://www.gamasutra.com/view/feature/131796/creating_character_animation_assets.php
5 tips to make your game animations better:
http://www.gamasutra.com/blogs/DaveBleja/20161018/283440/5_tips_to_make_your_game_animations_better.php
Improving the Combat ‘Impact’ Of Action Games:
http://www.gamasutra.com/view/feature/2290/improving_the_combat_impact_of_.php?print=1
Exploring video game animation with a film industry veteran:
http://www.gamasutra.com/view/news/189779/Exploring_video_game_animation_with_a_film_industry_veteran.php
Animation Principles in UI Design: Understanding Easing:
https://medium.com/motion-in-interaction/animation-principles-in-ui-design-understanding-easing-bea05243fe3#.3nqw3b9cb

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Vinicius Bech

Volta e meia eu solto textos sobre jogos aqui, isso possivelmente vai ficar mas frequente com o tempo, espero eu.