Micropagamento por notícias pode ser um mais um fracassado modelo de negócios para o novo jornalismo

Vinicius Covas
4 min readApr 8, 2015

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Por que não devemos pensar em notícias da mesma forma como o iTunes vê o novo álbum da Taylor Swift.

Quanto vale o trabalho do jornalista?.

Em meio a esse mal momento que vive o jornalismo em todo o mundo, uma das diversas mirabolantes ideias criadas diariamente, na tentativa de suportar o jornalismo de redação, é a de cobrar os leitores por artigo, como se fosse um download de aplicativo na Apple Store ou Android.

David Carr

O célebre colunista Davidd Carr, que escrevia a coluna The Media Equation, e faleceu em fevereiro de 2015, defendia um novo modelo de negócio para o jornalismo ao qual deu o nome de Itunes For News. De acordo com ele, provocar que o leitor leia sobre demanda e pague pelo o conteúdo, como se estivesse baixando uma música no iTunes, poderia dar certo. Dessa maneira, cada notícia teria o valor de alguns centavos de dólar. Essa ideia surgiu em meados de 2009 e, até hoje, persiste.

A start-up holandesa, Blendle, cobra por cada único artigo lido através de sua plataforma. Ela basicamente reúne as principais publicações jornalísticas de um país e oferece ao leitor, que terá que pagar para ler o que tiver interesse. A start-up recentemente anunciou algumas importantes parcerias de conteúdo com o The New York Times, The Washington Post e The Wall Street Journal. O The News York Times, em uma tentativa de sobrevivência, tem investido grandes cifras neste novo modelo de negócio para o jornalismo.

Apesar de ser uma inovação no processo de produção e consumo do jornalismo, o empreedimento holandês ainda não conseguiu atrair a atenção dos leitores de seu país. De 5 usuários, apenas 1 segue pagando pelo serviço e muitos dos primeiros adeptos à plataforma já solicitaram um reembolso pelo serviço.

Winninpeg Free Press

Recentemente foi anunciado o lançamento de um novo jornal no Canadá que também irá adotar o modelo de negócios de micropagamentos para o jornalismo. A estratégia comercial do Winninpeg Free Press é cobrar 21 centavos de dólares por artigo e especialistas e estudiosos do negócio do jornalismo acreditam que pode não ser o caminho mais interessante. Apontam que a grande questão não é pensar em como monetizar o conteúdo, e sim, rentabilizar as ações.

Pedir que leitores aceitem pagar alguma proposta de valor, apenas permite a oferta de julgamentos sobre a qualidade do conteúdo, menosprezando o trabalho profissional do jornalista, que ficará refém de cifras. Além do mais, como devemos avaliar o preço de um material jornalístico? Se o conteúdo é um artigo longo, X$; se possui fonte original, X$, se é uma coluna, X$?

Com este novo modelo de pensar o negócio do jornalismo, provocamos na mente do leitor perguntas como: “Devo pagar para ler esta noticia? Por que custa apenas 27 centavos? Será que é por que não é tão boa assim?” Se levarmos em consideração que a porcentagem de pessoas que se alimentam de informações através de dispositivos móveis aumenta a cada dia e o tempo de resposta a uma interação ou decisão de um clique é cada vez mais curto, com este novo modelo vamos provocar uma verdadeira ginástica de reflexão mental sobre o consumo (ou não) de um produto jornalístico. Clay Shirky, professor e estudioso do jornalismo, publicou em seu blog no ano 2000 um artigo onde mostrava o por que de não adotarmos o mecanismo de micropagamentos.

Acontece que, ainda que uma pequena parcela de leitores se proponham a pagar, estamos falando de micropagamentos, o que não irá suprir as necessidades econômicas das redações de jornalismo.

Os professores da Universidade do Tennessee, Nick Geidner e Denae D’Arcy, pesquisam os efeitos dos micropagamentos para notícias online, e essa dupla descobriu algo que realmente preocupa e soma correntes contrárias ao uso desse modelo de negócio. É que esse processo de pagar para adquirir uma informação pode comprometer no processo de entendimento daquele conteúdo. Ou sejam, como o leitor está pagando, ele entende que a notícia é um produto adquirido por ele, e por esse motivo, ele pode não gostar desse produto. Já que um material jornalístico, como uma notícia, deve ser imparcial e se abster de opinião comum, aqueles que pagaram por uma notícia desafiaram mais a qualidade da informação, do que aqueles que a adquiriram gratuitamente.

Com este modelo de negócio para o jornalismo, não estaremos provocando o estímulo de novas ideias e discussões sadias, e sim, convidando aqueles leitores polarizados, que apenas desejam confirmar uma opinião já pré-estabelecida.

(com informações de Will Federman)

Vamos continuar essa conversa no Twitter twitter.com/viniciuscovas ou por email viniciuscovas@gmail.com

Originally published at www.viniciuscovas.com on April 8, 2015.

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Vinicius Covas

Communication PhD Candidate | UX Digital Platforms | Consumer Behavior | Digital Brands