Um Apelo
Estigma, de acordo com os principais dicionários da língua portuguesa, corresponde a alguma marca corpórea permanente; uma cicatriz. Tenho para mim outra conotação, perpendicular: trata-se da representação de uma lembrança, um símbolo tangível.
Uma tatuagem, comum nos dias de hoje, ou cicatrizes deixadas por cirurgia, até as marcas sagradas de Cristo, para quem crê; todos são sinais aparentes e foram, de algum modo, implantados. Múltiplas abordagens sobre o termo coincidem em um denominador comum — estigma, qualquer que seja, diz respeito ao indivíduo que o possui e à história daquela pessoa.
Então, me deparo com o termo Estigma Social. Aqui, o significado da palavra atinge outro escopo: é a marcação de um traço pessoal, com o intuito de avisar sobre certo “antimoralismo”. Majoritariamente, funciona como um
“Vê essa sequência de cortes nesse rapaz? Então, ele é isso, cuidado!”
A teoria da performatividade — que envolve distintos pensadores e, entre eles, a contemporânea Judith Butler — explicita que por intermédio de atos comunicadores desempenhados rotineiramente, fabrica-se identidade. Por vivermos em sociedade, nos espelhamos em outras pessoas e, para isso, buscamos por “iguais” (isto é, aqueles que recebem o máximo de rótulos parecidos com os nossos).
Profetiza-se que aquela pessoa nascida com o órgão sexual masculino crescerá copiando uma matriz pré-existente, onde estão ordenados aspectos do que compõe ou não o homem. A difusão de padrões se dá por mímese, ou seja, a cópia (na maioria das vezes inconsciente) dos que já atuam como clones há algum tempo… Claro, nada é tão simples e a teoria se estende por milhões de vertentes, com mais devaneios que explicações.
A problemática está na liberdade individual, rapidamente ameaçada pela maneira como a sociedade agrupa e obriga fulano a se portar como um bando de sicranos; uma convenção ordinária. Consequentemente, os que fogem dos modelos são demarcados e postos às margens, podados da massa.
Resumo da ópera. Estigmas carregam diferentes cargas: tem aquela forjada por um precedente e outra, adquirida logo em seguida, na classificação social. A imagem de uma garota “masculinizada”, via de regra, evoca um estigma. Tal menina será suprimida e (des)tratada com o espectro de características pejorativas aplicadas às que se expressam de jeito similar. Essa pessoa estará, por inteira e sem chance de abertura, abjeta. Isso, a não ser que cometa uma forma de suicídio identitário, ou mascare a si mesma, e siga “matrizes da normalidade”, triste atitude comum.
Cada pessoinha no mundo tem sua identidade formada por experiências adquiridas ao longo da vida, além das relações e elos. Pensando assim, o conceito de tempo já não importa tanto, mais vale o que será feito com o que nos resta. Todo mundo é fragmentário, constituído por porções de várias outras coisas.
Meu objetivo com esse texto é desembrulhar um movimento antiestigmatizador. Contra a estereotipagem. Na contramão do julgamento alheio. Precisamos, talvez, enxergar o outro em sua formação plural, como alguém com quem compartilhamos do mundo, da vida. Para isso, evitar hierarquias e considerar que ninguém precisa ser estanque — a mudança é inerente ao processo de amadurecimento, não é?
O respeito se edita na contemplação de diversos ângulos e versões da mesma história. O esmaecimento de um estigma, portanto, pede que desconfiemos de receitas universais e verdades absolutas; como me indicou uma amiga “se dá a partir da quebra de paradigmas”. Afinal, parafraseando Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser quem se é”. Peço, de ser humano para seres humanos, que meditem com o coração sobre o que vos afirmo agora: igualdade é a matéria-prima de nós mesmos. Em seguida, divergências e particularidades serão facilmente aceitas.