Filmes Slasher, o modelo de repressão da sexualidade e aprendizado social.

Vincent Jachimovski
4 min readSep 9, 2020

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O slasher é um subgênero de filmes de terror caracterizado por uma fórmula bastante conhecida: a premissa de um antagonista, geralmente um assassino em série, que persegue um grupo de jovens, além do uso excessivo de violência gráfica e nudez feminina. Mesmo com controvérsias ao redor da fórmula, o subgênero tornou-se muito popular devido à sua simplicidade técnica, baixo custo de produção e considerável retorno financeiro, gerando franquias como Sexta-Feira 13, Halloween, A Hora do Pesadelo e O Massacre da Serra Elétrica.

Dentro de sua fórmula, o slasher consolidou conceitos como a chance de sobrevivência dos personagens baseada em suas características físicas, raça, gênero, religião, comportamento sexual e uso de drogas. Em outras palavras, personagens não brancos, LGBTQ+, ou que não apresentam condutas conservadoras são aqueles com maior probabilidade de morte em filmes do subgênero. A partir dessa definição surgiu a Final Girl, um arquétipo de personagem atribuído à protagonista sobrevivente dessas histórias, por seguir as normas da fórmula.

Weaver, Ménard, Cabrera e Taylor (2015) destacam que, apesar da perspectiva inicial de empoderamento para protagonistas femininas, o arquétipo de Final Girl com o tempo passou a reforçar um comportamento normativo. Através de uma análise quantitativa de conteúdo com uma amostra de 30 filmes slasher de grande bilheteria lançados entre 1980 e 2010, as autoras apontam que as personagens Final Girls (Conceito definido no estudo como “Personagem principal feminina que sobrevive os ataques dos assassinos, cujo conflito com este é o foco do último ato do filme e acaba por derrotá-lo”) são apresentadas majoritariamente como mulheres heterossexuais, brancas, seguindo o padrão normativo de beleza de suas respectivas décadas e comportamento sexual de acordo com o Roteiro Sexual Tradicional (Traditional Sexual Script).

A teoria dos roteiros sexuais refere-se ao estudo da sexualidade humana através de circunstâncias sociais e culturais (Byers, 1995), sendo o roteiro sexual tradicional limitado a relações heterossexuais. Nele, o homem é descrito como hiperssexual, emocionalmente distante, reforçado a cada conquista sexual e ensinado a não aceitar “não” como resposta, enquanto a mulher demonstra uma atitude passiva, protegendo seu valor ao restringir o acesso a sua sexualidade, mas ainda busca atrair e demonstrar interesse pelas necessidades do homem.

Através desses resultados, é possível relacionar o impacto da fórmula dos filmes slasher e o arquétipo da Final Girl na mídia com dois conceitos: a teoria do poder e repressão da sexualidade, proposta por Michel Foucault, e a teoria social cognitiva, proposta por Albert Bandura.

A teoria repressiva da sexualidade é apresentada por Foucault (1977) como um elemento presente na cultura ocidental desde o século XVIII, através de discursos legitimadores de padrões heteronormativos. A partir da moral burguesa, a sexualidade é imposta como um modelo heterossexual voltado à reprodução, enquanto práticas sexuais fora desse padrão são consideradas ilegítimas. Tal discurso é difundido através de uma série de veículos, sendo um destes a mídia, cuja acessibilidade torna o modelo de repressão revestido por uma aparência de modernidade e parte do cotidiano (Carvalho, 2010). A teoria social cognitiva, por sua vez, propõe a capacidade de aprendizagem do indivíduo através da identificação com um modelo — desde pessoas físicas e representações da mídia — envolvendo o reconhecimento dos valores, crenças, atitudes e comportamentos observados, e a adoção destes mesmos no seu cotidiano (Bandura, Azzi e Polidoro, 2008).

Logo, os filmes slasher se encaixam como um modelo de veiculação midiática da repressão da sexualidade, assim como reforçador de padrões e estereótipos problemáticos. Um exemplo desse fenômeno se dá em um estudo sobre os efeitos da exposição prolongada a representações de violência (Linz, Donnerstein e Penrod, 1988), no qual um grupo de indivíduos, após assistir um conjunto de filmes slasher, demonstrou baixa resposta emocional ao ser exposto à casos de violência sexual contra mulheres, além de apresentar concordância com ideias como culpabilização das vítimas e o roteiro sexual tradicional.

A proposta desse texto não é promover um boicote, mas a reflexão do impacto do conteúdo em nossas crenças e atitudes, uma perspectiva pouco explorada na temática de filmes slasher e na mídia em geral. É necessário levar em conta que os arquétipos produzidos pelo slasher reafirmam conceitos como racismo, misoginia e heteronormatividade, e que o nosso consumo, por muitas vezes, está atravessado por posições de opressão estrutural que ocupamos na sociedade.

Referências:

Bandura, A.; Azzi, R. G. & Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed.

Byers, E. S. (1995). How well does the traditional sexual script explain sexual coercion? Review of a program of research. Journal of Psychology and Human Sexuality, 8, 7–25.

Carvalho, P. C. (2010). Mídia e Sexualidade. Athenea Digital, 17, 217–225.

Foucault, M. (1977) História da sexualidade I- A vontade de saber. Lisboa: Edições António Ramos.

Linz, D. G., Donnerstein, E., & Penrod, S. (1988). Effects of long-term exposure to violent and sexually degrading depictions of women. Journal of Personality and Social Psychology, 55, 758–768.

Weaver, A. D., Ménard, A. D., Cabrera, C., & Taylor, A. (2015). Embodying the Moral Code? Thirty Years of Final Girls in Slasher Films. Psychology of Popular Media Culture, 1, 31–46.

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Vincent Jachimovski

Psicólogo buscando se sentir à vontade relacionando temas de interesse pessoal com a prática profissional através da escrita