Efeito bolsonarista

Oltiel
9 min readSep 27, 2018

--

AC: opressão, fascismo, discriminações em geral.

Alerta de textão…

Estava noutro dia no Twitter e vi um tweet dizendo: “Ninguém imaginava que dentro do armário tinha mais fascistas do que gays.”

Pois é. Isso reflete perfeitamente o cenário atual nesse período agitado de eleições.

Eu detesto mencionar o nome desse sujeito e evito fazê-lo. Mas não há melhor forma de chamar esse fenômeno do que “efeito bolsonarista”.

Como explicar esse fenômeno? Bom, eu tenho minha perspectiva do assunto após tanto observar, pesquisar e refletir; me baseando em minha experiência nas redes sociais, principalmente Twitter e Facebook.

O eleitorado do coiso segue um padrão de características e comportamentos. Pegue umas dez pessoas aleatórias e analise-as se não acredita. Quem segue a ideologia do coiso se encaixa em muitos ou todos os fatores a seguir:

- evidencia seu papel familiar (principalmente pai e mãe)

- segue o conservadorismo

- segue o cristianismo (ou diz seguir, né)

- tem ideias revanchistas (com isso, armamentista)

- tem ideias punitivistas

- evidencia ser contra a corrupção

- mostra um sentimento ultranacionalista

- evidencia ódio/antagonismo ao PT e/ou Lula/Dilma

- evidencia ódio/antagonismo à esquerda e/ou comunismo/socialismo

- pode evidenciar ser de uma torcida (muito mais comum em homens)

- pode mostrar oposição a alguma pauta social (como legalização de aborto e maconha)

- pode mostrar orgulho de ser uma pessoa opressora

- pode evidenciar seu ódio a minorias sociais

Tudo isso gira em torno de uma ideologia primitiva, simplista e de ódio que, de alguma forma inexplicável, coloca essas pessoas como soberanas da verdade sobre o mundo, que elas estão no topo de alguma hierarquia da moral e da decência, e que só elas sabem o que é melhor para o país e a sociedade. Elas têm uma convicção inabalável disso tudo, mesmo quando não percebem isso.

Mas então podemos pensar: “que engraçado essa gente pensar tão bem sobre si quando na prática são pessoas agressivas, detestáveis, ignorantes, tóxicas e hipócritas”. Pois bem. Eu não sei explicar isso em detalhes, falando em termos psicológicos. Acontece que essas pessoas têm uma necessidade descomunal de convencer a si mesmas e o resto do mundo de que elas são almas verdadeiramente boas.

O discurso do “cidadão de bem” é a maior manifestação disso. Elas dizem ser “cidadão de bem” não importa o que façam à luz do dia ou na obscuridade. Elas precisam repetir constantemente para si mesmas que são “do bem”.

Quantas vezes já não vimos uma pessoa “de bem” fazendo discursos absurdos ou sendo exposta por algum crime ou um pecadozinho de leves cometidos às escondidas? É o homem casado que flerta com outras em aplicativo, é o empresário que mata a namorada, é o político que desvia dinheiro, é sua parente tão moralista que aceitou troco a mais no mercado, enfim, uma série de casos e mais casos.

E aí vem a pergunta: o que realmente causa isso? É ignorância e alienação? É falta de caráter? É uma doença mental? Bom, eu não acredito mais em doença mental porque essas pessoas fazem tudo que fazem em plena consciência. Se há entre elas pessoas com algum transtorno, já é outra história, e isso não deve ser usado contra ele.

Ignorância e alienação? Bom, uma pequenina parte do eleitorado do coiso com certeza é ignorante e alienada. É muito fácil conseguir a simpatia de pessoas com uma mentalidade mais simples, com conhecimento político que vai do básico ao nulo, fazendo propaganda sobre um cara que parece ser do povo e vende um discurso super-heroico de acabar com a violência e a corrupção. Porque é exatamente isso que fazem, e o coiso também fala o mesmo de si mesmo o tempo todo.

Porém, como falei, é uma parte bem pequena mesmo. Essas pessoas não sabem a burrada que estão fazendo votando nele. E acredito que valha à pena sim conversar com elas sobre isso.

Agora a maioria esmagadora é apenas ausente de caráter mesmo. Elas encontraram um símbolo de ódio perfeito para elas, alguém em quem se espelhar, alguém “poderoso” para validar toda a podridão delas e junto dar as mãos e fazer uma enorme ciranda cantando “nós somos pessoas boas”.

Quando o coiso apareceu à luz do dia, essas pessoas criaram coragem suficiente para tirar uma máscara de paz e altruísmo que estavam usando há um tempão, e finalmente vomitaram todo o ódio que estava acumulado dentro delas. E melhor ainda, elas têm uma suposta maioria para validar isso, para dizer que estão certas, que não há mal nisso, e que esse ódio até comprova a pureza da alma delas.

A pessoa não quer ver pobre na mesma faculdade que a elite. Mas ela é boa. Ela é a favor da vida quando querem abortar, e quer metralhar até o menino favelado que roubou um pão. Mas ela é boa. Ela faz piadas ofensivas e ri de quem se incomoda. Mas ela é boa. Ela acha que espancar criança ensina respeito e bons modos. Mas ela é boa.

O preconceito dela não é preconceito, é apenas opinião. Pessoas diferentes da dita “normalidade” estão aqui pra se ferrar mesmo, pra serem zoadas, e se morrer, graças a Deus. Se essas pessoas já validavam essas atitudes por si mesmas, agora mais ainda com uma quantidade absurda e crescente de outras iguais pra validar mais ainda e servirem de apoio uma para a outra.

Pessoas já se dão o direito de discriminar e determinar o que é certo e errado sozinhas, porque elas não enxergam além da realidade delas, e a realidade delas, linda e maravilhosa, é absoluta, inquestionável. Nem ouse questionar. Pra que fazer isso? É assim e pronto.

Os “defeitos de fábrica”, aquela galera “anormal”, as exceções — as minorias sociais — que se virem. O mundo é justo afinal de contas. É esse pensamento segregatório, egoísta e quadrado que essas pessoas alimentaram por tanto tempo, e agora estão mais do que livres para gritar isso aos quatro ventos, e ainda serem aplaudidas. Um presidente que pensa igualzinho? Melhor ainda!

O que você mais vai encontrar dentro do efeito bolsonarista são pessoas privilegiadas o máximo possível. Você pode reparar uma predominância de pessoas brancas, heterossexuais e cisgênero, e de classe média-alta (a elite e a pseudo-elite). Quem tem privilégios estará sempre num mundo perfeito. Não há espaço para imperfeição. E quem reclama, está mentindo, está inventando, está se vitimizando.

Sim, tem muita mulher alinhada com o fascismo. Muita mesmo, bem mais do que imaginam. Mas quem recebe maior evidência ainda são os homens (cis), porque são os que mais gritam, mais xingam, mais esperneiam, mais promovem ódio em todo lugar, seja físico ou virtual.

Classes privilegiadas não é novidade aqui, elas sempre serão maiores propagadoras do fascismo. Mas então como explicar a existência de minorias do lado do fascismo?

Bom, não tenho nem nome pra isso. Talvez Síndrome de Estocolmo explique em partes. Talvez essas pessoas também queiram validação, e se juntar ao fascismo pode ser uma tentativa desesperada de fugir dele sem nem cogitar tentar enfrentá-lo. Mas essas pessoas também podem ser “minorias privilegiadas”. O homem cisgênero, branco e gay ainda é um homem cisgênero e branco; ele vai encontrar conforto no fascismo porque nele tem permissão para ser misógino, cissexista e racista. Homofobia? É só opinião.

Mas eu vi de tudo nesse rolê todo. Vi todo tipo de minoria apoiando o coiso. Vi gays negros, gays gordos, gays periféricos, lésbicas, bissexuais, mulher trans, homem trans, pai de criança deficiente, até cadeirante. Essa gente deve ter esperança de que serão poupadas do fascismo. Coitadas, nem percebem que jamais pertencerão ao mesmo paraíso da “maioria”, e que ainda são alvos.

E apesar de haver muita gente de 30 anos pra cima nesse eleitorado, infelizmente, e sinto muito dizer, está crescendo uma juventude tão fascista quanto essas gerações mais velhas. Existe uma juventude preferindo manter os pensamentos retrógrados de antes, porque foi convencida de que o mundo é melhor “como era antes” (um antes que nem existiu de verdade). Uma juventude conservadora com saudades de um tempo que nem vivenciou… É muito bizarro.

Ninguém havia se preparado para esse fenômeno. Ninguém havia se preparado para tanta gente fascista saindo de sua caverna (ou bueiro), se espreguiçando à luz do dia, e vomitando chorume para todos os lados, contra todo mundo — incluindo família, parentes, colegas, e até amizades.

É chocante, eu sei. É chocante ver seu pai, seu tio, seu avô, seu professor, seu colega engraçado do serviço, sua amiga de infância, o seu Joaquim da banca, sua vizinha simpática dona Lourdes, é um choque saber que todas essas figuras carismáticas e até então afetuosas apoiam o coiso, apoiam com vigor, apoiam com orgulho, e ainda concordam com seus discursos.

Afinal, de onde veio todo esse ódio?

Tudo começa na falta de educação no país. Um país que não ensina sua própria história, não desenvolve um senso de coletividade, e não fala de todas as camadas de seu próprio povo (o que incluiria as minorias sociais), cria pessoas alienadas sobre a realidade. Com isso, quem é maioria não questiona seus privilégios, e quem é minoria não questiona os privilégios alheios.

E então os movimento sociais começaram a ganhar mais força, e com isso mais visibilidade. Os motivos de chacota e piada agora reagem. O povo favelado agora está gritando e se politizando. Quem está fora das normas sexuais está construindo suas famílias e mostrando afeto em público. Quem rompe com as imposições de gênero e as “verdades” científicas está mostrando autonomia com seu próprio corpo. A mulher está se mostrando tão poderosa quanto um homem. A empregada doméstica agora pode estudar e ter uma profissão mais remunerada. Isso irritou um montão de pessoas: quem está no poder (principalmente e especialmente), e quem não está e aceitou sua “condição”. Lembra da hierarquia? Ela é poder. Pessoas amam poder. Pessoas com poder farão de tudo para mantê-lo.

Daí pegamos todos os problemas do país — com ênfase na segurança, criminalidade, corrupção e injustiça — e promete melhorar isso com métodos aparentemente simples, que muita gente achará conveniente por, superficialmente, julgar serem uma solução viável. E melhor ainda, pegar toda essa galerinha mimizenta ousando questionar a realidade e querendo o mesmo poder que a “maioria”, e adicioná-las na equação como inimigas da moral e da “normalidade”.

Pronto. Temos um candidato que vai combater tudo isso da forma que eu acho correta, limpar meu mundo perfeito dessa ralé esquisita, e validar meu ódio. E assim se iniciou o efeito bolsonarista.

Apesar disso tudo, muitas pessoas estão defendendo que precisamos “ser tolerantes” e que precisamos “debater”. Hm… certo, vamos lá.

Alguém pedindo tolerância com fascismo só significa duas coisas: ou essa pessoa é muito ingênua ou ela é fascista mesmo. Só. Caso queira entender porque aqui não existe e nem pode existir tolerância, procure sobre o Paradoxo da Tolerância.

Agora, debater. Quem aqui já tentou debater com bolsonarista e terminou o “diálogo” sentindo nojo, raiva, frustração, impotência, cansaço mental e um sentimento único de confusão existencial por ter tido uma conversa muito ilógica? Caso não tenha sido seu caso, parabéns, você deve até ter salvado uma alma. Se você teve esse fim, parabéns, você entende o motivo de não haver debate com essa corja.

Ah, você nunca debateu com bolsonarista? Tenta. Sério, tenta mesmo. Pegue todas as evidências possíveis contra o coiso — vídeos, imagens, postagens — e argumente da melhor forma possível sobre as ideias e propostas dele. E se prepare para receber como resposta xingamento, ameaça, negação dos fatos (“isso foi editado”, “isso foi tirado do contexto”, “fake news”, “ele disse isso faz tempo” etc), e de brinde você vai descobrir que vota no Lula, mesmo que ele nem seja seu candidato.

E agora? O que fazer? É uma excelente pergunta. Cada qual lida com isso da sua forma. Eu já sei o que farei com cada fascistinha fora do armário. Não, não vou matar. Vontade não falta. Mas não. Vou simplesmente excluir da minha vida, do meu círculo social.

Ah, e se ele vencer? Relaxam, sosseguem, a onda contrária ao fascismo está agindo, agindo muito bem, mostrando toda sua força. O coiso não vai vencer. Mas caso vencesse, bom, seriam quatro longos anos de resistência e luta. Não que ele fosse transformar o país num inferno de um dia pro outro, nem mesmo em um ano. O presidente nem tem todo esse poder que muita gente acha. Contudo, ele ainda seria a face do país e do sistema, e sua presença com certeza daria mais aval a um povo fascista de agir como deseja (incluindo criminalmente, contra a Constituição — afinal ela que se foda), e atrairia mais fascistas para as esferas legislativa e jurídica.

Enfim, votem. Não votem branco ou nulo. Votem em alguém. Menos nele. Menos no fascismo.

--

--