Ótima 5ª temporada devolve brilho ao Drag Race UK
Vitor Evangelista
2023 produziu quatorze temporadas de Drag Race ao redor do mundo. Então, a fatiga com o formato e o reality é sintoma comum e esperado para quem acompanha o Multiverso das queens, mas uma franquia em específico já apresentava gosto amargo antes da explosão. No Reino Unido, uma temporada inaugural que cativou os fãs deu espaço a uma segunda que superou qualquer expectativa (e vive no ranking das maiores, junto do All Stars 2 e da 6ª temporada americana).
Então, quando Drag Race UK decepcionou com a terceira e quarta temporada, os fãs deixaram que o desânimo tomasse conta do ambiente. E a quinta temporada não começou impressionando: o elenco de 12 perdeu uma participante doente antes do início das gravações e logo em sequência desqualificou outra, acusada de assédio sexual e apagada da edição. Apagada, mas não invisível, já que a dita-cuja esteve presente nos capítulos iniciais e a mágica da montagem tentou retirá-la de cena.
O uso excessivo de zooms e cortes rápidos deram conta do recado de não dar plataforma a drag queen acusada, mas foi a partir do terceiro capítulo, no desafio dos grupos musicais, que a temporada começou a provar a mudança no clima britânico. Um elenco carismático, que tinha dinâmicas particulares e troca de humor e shade foi ganhando a atenção das câmeras, e deixando de lado o árduo trabalho da produção, que move peças e influencia o julgamento em prol da narrativa maior.
Na 5ª temporada, as vitórias foram distribuídas de forma harmônica. Vicki Vivacious quebrou tudo na Dublagem contra Cara Melle na estreia, e ganhou um broche. Banksie, uma drag com pegada mais alternativa, foi sagrada campeã na construção do visual com flanelas. Em manobra, dando win para uma queen que costuma passar despercebido na franquia, normalmente mais interessada em condecorar drags para criar rivalidades e tensão.
Quando Cara Melle, primeira americana a competir no UK e segunda mulher trans, finalmente ouviu seu Parabéns, dublando pela vitória contra sua companheira de casa Tomara Thomas, a sensação de satisfação era imperativa. E assim a temporada seguiu, mostrando que um elenco escalado com cautela e diferenças entre estilo e calibre, apenas beneficiam a Corrida e reavivem o interesse de quem assiste.
Kate Butch ganhou a história de quem demora a vencer um broche, e quando arrasou no desafio de improvisação ao lado da tricampeã Ginger Johnson, seu triunfo teve gosto de mel. E nem mesmo os fantasmas do Morro dos Ventos Uivantes foram fortes o bastante para acabar com a season quando a comedy queen foi eliminada, no capítulo seguinte. Embora, é claro, ela venceu o Lip Sync ao som de This Hell!
Foi triste a despedida de Kate, assim como as partidas de Banskie e Cara, todas detentoras de vitórias. Mas, o que a temporada fez melhor do que as de Krystal Versace e Danny Beard, foi tornar justificável as decisões de RuPaul, assim como os comentários de Michelle Visage, Alan Carr e Graham Norton. As badge winners foram, em suma, eliminadas por DeDeLicious que não tinha broche nenhum, mas demoliu o cenário em cada um dos Lip Syncs que performou.
Até as primeiras a saírem, Alexis Saint-Pete e Miss Naomi Carter, ganharam tempo de tela para mostrarem sua assinatura e sua marca na competição. A suíça teve seu desempenho duvidado por DeDe para então integrar o Top 5 que abriu a temporada, no episódio sem eliminações. E Naomi, a pessoa que mandou Alexis para casa na semana seguinte, compartilhou sua origem cultural e, mesmo com uma lesão muscular (resultado de uma “briga” de peito com DeDe), não caiu vítima da desqualificação por razões médicas e sobreviveu até onde pôde.
O Snatch Game, que no passado produziu performances icônicas de The Vivienne, Baga, Bimini e Ella, não encontrou nesse elenco momentos tão marcantes, mas teve o desabrochar de Kate Butch como, claro, Kate Bush e a inevitável vitória de Ginger, na pele da Dama Barbara Cartland. A sequência de wins de Ginger, primeiro em trio com Tomara e Michael Marouli, depois sozinha no Rusical e no Jogo de Imitações, colocou a ruiva na liderança, mas sem forçar seu papel de favorita à Coroa.
Michael, artista veterana da cena e uma das participações mais aguardadas pelos fãs internacionais da série, fez tudo certo e foi recompensada por tal. Até mesmo no deslize, quando precisou eliminar a parceira de desafio Cara Melle, Marouli mostrou a resiliência e a consistência que uma boa competidora de Drag Race precisa munir. Seu papel como grande rival de Ginger pela Coroa não foi definido pela produção antes mesmo das câmeras gravarem. O Top 3 chegou até a glória justamente pela garra e pela sede de adentrar o Olimpo das queens.
Nenhuma delas passou despercebida, e uma drag como Tomara Thomas, de cara denotada com fashion e nada mais, conseguiu se esbaldar na comédia e ampliar sua gama de talentos. Com os jurados um tanto displicentes nas repetições que ela apresentava nos desafios, mas sempre pomposa na passarela e de bunda de fora, a irmã drag de A’Whora provou seu trajeto no Lip Sync que eliminou DeDe e sem dúvidas acendeu uma chama por baixo da calcinha.
O Nordeste do Reino Unido, aliás, representa a totalidade da Final, num movimento de representatividade para a região que sofre com a pobreza e com pouca visibilidade na TV. E embora o Drag Race do UK careça de diferentes tipos de drag em sua escalação de elenco, o caminho está aberto para que a já confirmada sexta temporada saia da caixinha e abrace o caráter disruptivo que a região carrega na arte transformista e queer.
A performance final foi gravar o videoclipe de Spotlight, seguida de uma passarela de excelência e muitas joias. Ginger e Michael dublaram pela Coroa, entregue por Danny Beard, que ganhou um trono para repousar antes de repassar o cetro. Ficou uma tristeza de não ver Cara Melle na reunião, ausente por conta de questões de saúde, é verdade. Mas o décimo capítulo foi todo de Ginger: desde a reação ao ver seu parceiro na conversa do Tic Tac (uma mudança muito boa para o programa, mostrando mais da emoção das competidoras), Johnson continuou arrasando nos discursos e no Lip Sync de Erasure.
Para avaliar e definir sua trajetória na Corrida, a detentora do melhor histórico do UK trouxe todo o preparo de BenDeLaCreme no All Stars 3, sem o empurrão da produção e ainda esbaldando o carisma camp que uma personagem como Trixie Mattel exala. É um tipo de humor inteligente, mas não limitador ou arrogante. Além disso, torcer por ela tornou-se uma demanda involuntária, já que toda a educação e a pompa delicada de seus confessionários apenas aumentaram o carinho pela queen.
À moda do que o UK faz desde sua concepção (falei disso no Twitter logo após a vitória de Danny em 2022), a quinta campeã do Reino Unido mimetiza sua irmã americana Jinkx Monsoon, a ruiva que venceu o quinto ano americano; e isso para além da cor do cabelo, o talento vocal, o humor afiado e a narrativa de alguém interessada em lapidar suas próprias arestas para tirar proveito do que Drag Race provê e testa. Vida longa à Rainha Ginger Johnson, com três broches, a Coroa, um programa da World of Wonder, mas nada de prêmio em dinheiro.