A festa acabou, mas Loki continua dançando
Vitor Evangelista
Em 2021, a estreia de Loki (Tom Hiddleston) como o protagonista de sua história tinha gosto adocicado. Era a segunda investida na Marvel na TV, depois do sucesso de WandaVision, e trazia para o centro da ação o anti-herói que vivia nos braços do público. Dois anos depois, a segunda temporada encontra um cenário completamente diferente. Filmes com bilheterias abaixo das projeções, seriados enterrados em polêmicas de bastidores e as greves de Hollywood tomaram conta do ambiente.
Não que a qualidade tenha mudado drasticamente, no quesito comparativo entre os seis episódios que iniciam a trajetória do Deus da Trapaça, com a meia dúzia que finalizam esse ciclo. O roteiro continua raso no drama, a direção não tem olhar, muito menos gingado e o elenco, embora formado por estrelas, não recebe suficiente tração dos elementos extra-tela. A salvação vive no design de produção, que lubrifica a visão de um futuro retrô, e na segunda temporada ganha um salão habitado por toda geringonça e quinquilharia.
Quem comanda o local é Ouroboros, também chamado de OB, vivido pelo sempre carismático e querido Ke Huy Quan, o faz-tudo da TVA, a agência que controla as linhas do tempo e entrou em crise ao fim do ano anterior, quando Sylvie (Sophia Di Martino) cruzou o limite permitido pelo destino. Ao matar Aquele Que Permanece (Jonathan Majors), a variante de Loki esfarelou o espaço-tempo como conhecia, abrindo as portas para o caos.
Caos esse que promete se materializar na figura de Kang, o Conquistador, também papel de Majors, e antagonista-protagonista da Fase atual do Universo Cinematográfico da Marvel. O problema é que, alguns meses atrás, o vilão “estreou” em Quantumania, longa que somou problemas e acabou com qualquer chance de criação de momentum ou antecipação pela história.
Após os acontecimentos de Guerra Infinita e Ultimato, os Vingadores se desfizeram. Aconteceu a pandemia no mundo real, atrasando o calendário de lançamentos e ocasionando uma reestruturação por parte do chefe Kevin Feige. A Marvel mudou o modelo de produção e passou a liberar séries no Disney+, produtos brutos que apresentaram personagens à rodo, sem atenção ao que a narrativa serializada demanda de uma fábrica de sucessos.
O resultado foi aquém do projetado. Sem angariar defensores ou mesmo aqueles que encontravam razão e coesão nos shows, enclausurados em pacotes de seis a nove episódios, cortados sem senso ou raciocínio e divididos como filmes em partes. Cavaleiro da Lua, Ms. Marvel, Invasão Secreta. Foram se empilhando fracassos e críticas. Loki, a carta curinga que sempre colocou neblina nos horizontes sombrios da Marvel (em especial nos dois primeiros filmes do Thor), tinha como tarefa faxinar a casa e continuar a festa.
O clima aqui é de velório. No time criativo, sai a diretora Kate Herron e entra a dupla Justin Benson e Aaron Moorhead, que comanda quatro dos seis capítulos com a mesma inércia que a equipe de roteiristas, incapazes de injetar vitalidade ou adrenalina na coisa toda. A primeira parte da temporada mostra o trapaceiro correndo atrás do prejuízo e encontrando Victor Timely, papel de, isso mesmo, Jonathan Majors. O objetivo é atrasar a destruição do dispositivo que controla as linhas temporais, em estado de combustão.
Mobius (Owen Wilson), B-15 (Wunmi Mosaku), Casey (Eugene Cordero) e Sylvie orbitam as missões de Loki, que usa OB como elemento que explica os mecanismos temporais e fantasiosos, sempre com termos técnicos e as resoluções mais simplificadas possíveis. Na conjectura de viagens no tempo e no espaço, não há lacuna de desenvolvimento nem de amadurecimento dos personagens, que são interpretados em diferentes momentos e lugares de sua existência.
Sobra então a diretriz de mexer com o status quo do Multiverso compartilhado, o que coloca o capítulo final na reta de um futuro das produções, do estreante As Marvels até o longínquo Dinastia Kang. As belas construções visuais, que evocam a origem nórdica de Loki e aumentam o ranking de suas patentes como anti-herói (que transita oficialmente à herói), não compensam o restante do marasmo criativo. É um imbróglio temporal e físico que se constrói em repetições e repetições e repetições.
Tom Hiddleston se safa com o carisma e a energia que emprega na interpretação de Loki, personagem que acompanha o britânico há mais de uma década. Ele se esbalda com os brinquedos disponíveis, mas encontra no drama a principal chave de seu Deus da Trapaça, desesperado e fragilizado. A cena onde revela o verdadeiro propósito de toda sua movimentação no jogo é forte e consistente. Termos opostos a tudo que a segunda temporada representa e sustenta.