As Marvels: batata-quente, quente, quente

Vitor Evangelista
4 min readNov 16, 2023

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Filme mais curto do MCU peca nas decisões com a vilã, mas contorna a dinâmica de Carol, Monica e Kamala com bom humor e frescor (Foto: Marvel)

Vitor Evangelista

Já estava escrito nas estrelas. A ressaca da Marvel, nas produções que seguiram adiante a Saga depois de Thanos, emendou filmes e séries genéricos, repetitivos, pontas soltas e longe da cobiça do passado. Se as aventuras de Homem de Ferro, Capitão América e Guardiões da Galáxia empolgaram por apresentar seus bonecos ao mesmo tempo em que construíam a antecipação pela Guerra Infinita, o imperativo mudou.

Personagens menores tomaram conta da cena depois do fim do grande ciclo de 2019. Shang-Chi conquistou pela coreografia, o Homem-Aranha de Tom Holland caminhou com a tocha, iluminando o caminho e prezando pela nostalgia. No Multiverso da Loucura, Estranho e Wanda batalharam pela atenção e apreço do público, e o luto de Wakanda Para Sempre foi eclipsado pela necessidade de atar fios narrativos. E isso são apenas os filmes.

Antes de As Marvels, Nia DaCosta dirigiu Passando dos Limites e A Lenda de Candyman (Foto: Marvel)

As Marvels chega, portanto, incumbido da tarefa de arcar com as críticas negativas do ano, que começaram com o fiasco terceiro Homem-Formiga, passaram pela terrível Invasão Secreta e repousaram no carisma de Loki. O terceiro longa de James Gunn se esquivou das balas, muito pela autoria do cineasta, que ignorou planos maiores para dar o impacto emocional da conclusão de seu grupo de desajustados.

Nia DaCosta é a primeira negra a dirigir na Marvel, e o faz na posição de conforto e cautela. Afinal, como ela definiu numa entrevista, esse é um filme de Kevin Feige, uma nova peça na amálgama que pretende montar na Saga do Multiverso. Além de ser a sequência do polarizante Capitã Marvel (2019), o novo longa funciona como ponte entre o fim de WandaVision e o de Ms. Marvel, unindo o trio de heroínas em prol de uma coincidência.

Embora funcione como sequência de 3 produções, o filme se sai bem quando situa o passado das personagens, respeitando o espírito sisudo de Carol, observativo de Monica e estridente de Kamala (Foto: Marvel)

E isso As Marvels performa com harmonia e ânimo. Na trama, sempre que uma delas usa os poderes, elas trocam de lugar. Então, Carol Danvers (Brie Larson) para na casa de Kamala Khan (Iman Velani), enquanto Monica Rambeau (Teyonah Parris) se encontra no espaço. O humor, que nasce da confusão tanto das mulheres quanto de Nick Fury (Samuel L. Jackson) e da família de Khan, se sustenta pelo tempo necessário, transmitindo a quem assiste o ar jocoso da ocasião.

Na troca honesta entre as três, DaCosta encontra a fibra moral que fez os filmes do estúdio transformarem-se nesse colosso cultural. Kamala é obcecada por Carol, e Monica tem uma relação mais complicada com a Capitã, que prometeu a ela algo que não teve a chance de cumprir. O roteiro, co-escrito pela diretora em parceria com Megan McDonnell e Elissa Karasik, canoniza Danvers no papel de santa e inquisidora, e abre espaço para que a superpoderosa resgate a humanidade que dorme em sua pompa de deusa.

Seo-Jun Park vive o Príncipe Yan, companheiro de Carol no planeta musical (Foto: Marvel)

Para Kamala, Carol é inspiração, força e o futuro. Para Monica, ela é mágoa, ressentimento e um passado amargo. E como pode uma mesma mulher representar aspectos tão divergentes na vida de suas protegidas? Infelizmente, o filme não se importa em sanar a dúvida, e logo embarca na trama genérica que serve de adubo para as críticas negativas, os números alarmantes na bilheteria americana e mais um caso onde a produtora carrega quase toda a culpa.

Foram meses de inferno na produção de As Marvels, atrasos em gravações, mudança no calendário e extensas refilmagens, resultando em um Frankenstein, colorido dentro das linhas na interação “mundana” de seu trio, e rabiscado sem cuidado no que circunda a vilã e o andamento do Universo Cinematográfico. A Emperor Dar-Benn (Zawe Ashton) nem ensaia a construção de um arco, em busca de ar, água e luz para devolver vida ao planeta que Danvers destruiu ao acabar com a Inteligência Suprema no filme anterior.

Casal no Multiverso: enquanto Tom Hiddleston encaminha seu canto do cisne como Loki, As Marvels escala sua companheira Zawe Ashton como a vilã Dar-Benn (Foto: Marvel)

A tirana está em posse do bracelete que faz par com o de Kamala, fator que poderia enriquecer a mitologia espacial e a ligação entre o time, mas novamente repousa dormente no roteiro. Fury desempenha o clássico papel do chefe engraçado, pouco angariando ao todo e menos ainda tocando em assuntos de Invasão Secreta, outro tropeço dramático, considerando a presença dos Skrulls tanto na série quanto aqui.

Fato é que As Marvels está longe do fundo do poço. O filme corre em ritmo controlado por menos de duas horas, e respira vitalidade ao mecanismo de Kevin Feige. Além das trocas hilárias das garotas, são reservadas cenas inspiradas em um planeta cuja língua é o Cantar, e também na resolução para as questões da gatinha Goose, uma coadjuvante de respeito da mitologia cósmica. Existe um resgate de jovialidade e boas-vindas, com Khan crescendo em cena e esculpindo sua posição no panteão do amanhã, Rambeau enfrentando feras impossíveis e Danvers mais complexa e preparada para o desconhecido.

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Vitor Evangelista

assisto filmes, séries e drag race, e depois escrevo sobre isso