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Na HBO, The Last of Us cumpre os protocolos

4 min readMar 15, 2023

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Com sinal verde para continuar explorando o mundo pós-apocalíptico, a série planeja dividir a trágica trama do segundo jogo em mais de uma temporada (Foto: HBO)

Vitor Evangelista

Grande veículo da HBO em um ano sem visitas aos reinos da fantasia, a primeira temporada de The Last of Us chegou ao fim apostando na ação emocional e no encerramento polvoroso do arco dramático de sua dupla de protagonistas. Joel (Pedro Pascal) precisa rodar a América para enfim reencontrar seu ponto de alinhamento no mundo dominado pelo fungo. Já Ellie (Bella Ramsey) traça a mesma jornada, só que internalizando os ensinamentos do protetor, e amadurecendo na marra as teimosias que fazem dela um farol de fé para o futuro da humanidade.

Nas mãos de Neil Druckmann, o criador da obra que nasceu no videogame e cresceu para as fronteiras da Televisão de prestígio, foi necessário o auxílio de Craig Mazin para que The Last of Us maturasse o bastante e exibisse um alto nível de controle criativo, estilo e, principalmente, agilidade no texto, direção e condução dessa narrativa de sobrevivência e perseverança. Mazin já é familiar com a grife da HBO, sendo ele a mente que idealizou Chernobyl, desta vez em colaboração com o diretor Johan Renck.

Além do criador do game, a série recruta o argentino Gustavo Santaolalla, responsável pela trilha sonora que embala a abertura e os episódios (Foto: HBO)

Na trama, que se inicia em 2003 e depois salta vinte anos no futuro, o mundo como conhecemos é colapsado pelo Cordyceps, um fungo mutante que infecta humanos, transformando cada vítima numa evolução de monstros sanguinários. Joel Miller vive de forma pacata ao lado da filha Sarah (Nico Parker) e do irmão Tommy (Gabriel Luna), quando o caos se apresenta e o apocalipse dá as caras.

Em 2023, já cachorro velho e conhecedor das artimanhas da nova amarração da sociedade, Joel tem uma missão encubida por um grupo clandestino, conhecido como Vaga-lumes: transportar até o outro lado de um país devastado a adolescente Ellie, imune à mordida e arranhão dos infectados e possível sinônimo de esperança para a raça humana nesta terra de ninguém.

Intérprete de Ellie e estrela de Game of Thrones e Catherine Called Birdy, Bella Ramsey se identifica como pessoa não-binária e atende por pronomes neutros e femininos (Foto: HBO)

Assim, Druckmann e Mazin se alternam no roteiro, dirigem um capítulo cada e passam o bastão para uma série de profissionais competentíssimos, contando uma história de nove horas aos domingos da HBO. Tratando-se de uma produção baseada em material pré-existente, as surpresas e reviravoltas no enredo caem e dão espaço para a inserção de novas interpretações, arcos criados para o formato atual e uma porção de atores que emprestam seus talentos por, no máximo, um par de capítulos, saindo de cena tão rápido quanto entraram.

Na chamada de elenco, destacam-se Anna Torv, como Tess, a companheira de Joel que se sacrifica em prol da jornada; Nick Offerman e Murray Bartlett na pele de Bill e Frank, o casal que protagoniza o terceiro episódio e encapsula a tragédia que assola o seriado, emocionando o público a troco de uma das melhores horas de TV que o ano irá proporcionar; Melanie Lynskey, Keivonn Woodard e Lamar Johnson, no arco de Kansas City, parcela da construção de um retrato ainda mais fragilizado erguido da anarquia.

Merle Dandridge reprisa seu papel como Marlene dos games, ao passo que Troy Baker e Ashley Johnson, intérpretes originais de Joel e Ellie, ganham personagens inéditos, atuando nos lados distintos da moeda: o homem vive um capanga do antagonista religioso David (o soberbo Scott Shepherd), e a mulher recebe a tarefa de interpretar a mãe de Ellie, e ganha destaque na abertura do capítulo final. Brilha ainda a estrela de Storm Reid, dona do episódio mais melodioso da coleção, quando vive as mil e uma noites de alegria e prazer em um shopping abandonado, tudo isso até que o terror bata à porta e o mundo volte a girar em seu eixo habitual.

Galã do momento, Pedro Pascal ainda pode ser visto todas as quartas-feiras na pele do Mandaloriano que, assim como Joel, transporta uma criança para lá e para cá (Foto: HBO)

Mantendo-se próximo do núcleo sobrevivência versus possibilidades que obras pós-apocalípticas se prezam a trabalhar, a versão televisiva de The Last of Us abdica da ação imediata contra os mortos-vivos e preza pela interação humana. No ano seguinte ao apoteótico e anti-climático final de The Walking Dead, o subgênero de ficção científica se mantém respirando no horário nobre. Isso é, por mais que as mentes envolvidas em TLOU se esquivem do rótulo “de gênero” do seriado, erroneamente mascarando a série apenas como um drama adulto de desilusões.

Em um momento tão propício para a ascensão da fantasia, do terror, da comédia e do sci-fi nos maiores palcos de Hollywood, a recusa em celebrar The Last of Us como uma obra imersa no medo de um mundo devastado pelo epidemia de um fungo só desacelera a revolução na mídia e, principalmente, no que o grande público consome e escolhe por exaltar e regular suas medições de qualidade.

No time de diretores, estão Ali Abbasi (Holy Spider), Liza Johnson (Barry), Jeremy Webb (It’s a Sin), Peter Hoar (The Umbrella Academy) e Jasmila Zbanic (Quo Vadis, Aida?), além de Mazin (Chernobyl) e Druckmann [Foto: HBO)

Joel, que inicia a jornada se camuflando na escuridão que a rotina se tornou depois da perda de Sarah, é envolvido pelo carisma e pela personalidade ímpar de Ellie, a última de nós, fotografada, à princípio, em um berço de luz. O lema dos Vaga-lumes se transforma em mote e profecia para a dupla, trazida à vida pelo trabalho conjunto esplêndido de Pascal e Ramsey, em constante contraste de sarcasmo, ironia e muita cumplicidade.

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Vitor Evangelista
Vitor Evangelista

Written by Vitor Evangelista

assisto filmes, séries e drag race, e depois escrevo sobre isso

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