O ídolo entre santos ocos

Vitor Evangelista
5 min readJul 5, 2023

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Por focar a história no olhar feminino da protagonista, a diretora Amy Seimetz foi demitida da produção, abrindo espaço para refilmagens e mudanças no texto original (Foto: HBO)

Vitor Evangelista

Se Sam Levinson e The Weeknd tivessem acesso à equipe de Jocelyn ao seu redor durante o lançamento de The Idol, talvez eles conseguissem sair ilesos da situação. Fato é que o time da cantora, composto por Chaim (Hank Azaria), Destiny (Da’Vine Joy Randolph), Leia (Rachel Sennott), Xander (Troye Sivan) e Nikki (Jane Adams) foi o bote salva-vidas do seriado, e tornou-se responsável pelas cenas “assistíveis”, especialmente quando consideramos os momentos de Tedros (The Weeknd/Abel Tesfaye) nos holofotes.

Sem coesão no artifício de contar essa história de ascensão, queda e redenção da estrela pop mais sexy e manipuladora da América, o roteiro dos criadores, assinado em parceria com Reza Fahim, guardava toda a tensão e o falso magnetismo para o casal, deixando a paródia e o sarcasmo rolar solto quando a equipe lidava com os pepinos que o mundo jogava para eles.

Uma selfie gozada era fichinha perto do impacto do dono da boate na vida da artista, em especial nos dois primeiros e no último capítulo da minissérie. No início, Tedros se infiltra no casarão como um vampiro parasita, lentamente estudando o terreno e plantando suas sementes de controle e abuso. No fim, quando Jocelyn refoga o solo com a solução antivermes, a situação transparece o falso senso de controle.

Na hora de fechar o ciclo de exibição, o cantor Troye Sivan foi um dos que postou imagens de cenas e objetos supostamente descartados da produção original (Foto: Instagram/@troyesivan)

O coelho na cartola é a virada conclusiva e o plano de Joss, a verdadeira mente por trás do descontrole e do caos que nasce do luto pela mãe e floresce na presença maligna do ex-presidiário de quem The Weeknd sufoca qualquer resquício de tridimensionalidade. As trocas entre vítima e abusador, em teoria, deveriam ganhar novo fôlego após o discurso no palco do show lotado. Na prática, a manobra é descalibrada na origem.

Se não formos apresentados, mesmo que a conta-gotas, para situações que tornem verossímil a visão da personagem principal, a resolução ganha papel de farsa e esvazia sua dramaticidade e impacto. Nos cinco capítulos, abarrotados de repetições dentro da casa, do quarto e da sala de jantar, falta espaço para explorar diversas situações. Tedros senta-se no sofá como uma estátua, ordenando que seus lacaios varram o chão ou perfume sua Arte, de novo e de novo.

Xander ameaça a emancipação do estigma de diretor artístico careta quando oferece a ideia de tornar o sexo a vitrine de Joss, mas logo retorna ao posto de silêncio que os choques transmitem-no, junto da serventia ao líder do culto. Leia ensaia a separação da melhor amiga em meio ao relacionamento que estabelece com Izaak (Moses Sumney), sem conclusão para nenhuma das pontas da história.

Imagina reunir os talentos de Rachel Sennott, Hank Azaria, Dan Levy, Jane Adams, Hari Nef, Moses Sumney e Da’Vine Joy Randolph, só para desperdiçar tudo em cinco capítulos de confusão e baderna (Foto: HBO)

A trupe musical solta o gogó na finale, mesmo sem explicitar o plano de estrelato desde o início. Dee e Chaim enxergam cifrões no lugar de rostos, o chefão Andrew (Tim Roth) renega o papel de mandachuva, seduzido pelo talento e não pelos metros de pele exposta em contraste aos modelitos minúsculos que os cantores vestem. A hipocrisia de desnudar a indústria musical não passa de um catálogo de pessoas atraentes e quiçá uma pitada de ironia ao tratar de saúde mental e abuso.

Mais do que a decisão de revelar a face malvada e cruel do mundo das estrelas, The Idol se esconde na omissão de todas suas premissas. Jocelyn não retoma seu controle ou remodela sua carreira, tampouco Tedros sobe ao pódio na conquista da garota mais popular do mundo. O plano de iluminar Dyanne (Jennie Kim) com as luzes da fama passa de manchete para nota de rodapé, tal como qualquer ambição jornalística de chegar ao nervo do problema por parte de Talia (Hari Nef).

Uma estreia controversa em Cannes, notícias de mudanças criativas e polêmicas na produção atestam que a “carte blanche” que a HBO ofereceu ao homem que deu sorte em Euphoria saiu às avessas. Se o esperado era uma “série ruim” com suficiente charme para atrair audiência e movimentar a internet, o pacote recebido baixou a bola da ambição artística de Levinson, pausou a ascensão de Weeknd no audiovisual e colocou um asterisco nos domingos de prestígio da emissora, que mesmo tendo errado no passado (como no final de Game of Thrones, na temporada 3 de Westworld e na comédia Run, considerando apenas o registro recente), vinha em uma sequência avassaladora, da fantasia ao drama corporativo.

Alusões ao passado de Joss e sua relação com a fama foram detalhes descartados pelo novo roteiro, alvo de polêmicas e denúncias de abuso no set (Foto: HBO)

Do banho de sangue, salva-se a performance de Da’Vine Joy Randolph.. A atriz colecionou pequenas participações ao longo dos anos, em produções como This Is Us, Meu Nome é Dolemite, Cidade Perdida, Only Murders in the Building, Gato de Botas 2 e tem no futuro o próximo filme de Alexander Payne, The Holdovers, que pode colocar seu nome para consideração dos grandes prêmios do Cinema.

Sua Destiny é tanto o ponto de quebra de tensão como de construção dela. Veja, por exemplo, a conversa que tem com Chloe (Suzanna Son) na casa de Joss, à beira da piscina. O que nasce com o mistério e a curiosidade de descobrir mais sobre a garota, em situação de rua antes de ser encontrada por Tedros, passa por momentos de sensibilidade e tensão, já que ela ocupa a casa e usufrui das regalias de Jocelyn. Randolph consegue brincar com os sentimentos pelo simples gesto que faz com a cabeça e a leve arqueada dos óculos escuros.

A interpretação salta aos olhos pela calma e compostura de alguém que, com pouco, diz a que veio e qual ouro defende. A ídola entre a falsa religião ególatra de Levinson e Tesfaye, com planos de grandeza e execução mínima. O sexo vende quando bem idealizado e dosado. A jovem Depp decanta os picos emocionais que a jornada de sua protagonista demanda, mas é deixada à deriva em um trabalho de direção quase amador, estilizado ao máximo na estética que deu certo na série de Zendaya, e que na de Abel não ultrapassa o status de paródia; que tenta rir junto de quem assiste, sem entender o motivo da piada.

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Vitor Evangelista

assisto filmes, séries e drag race, e depois escrevo sobre isso