Dziga Vertov
Vanguardas: Artistas Importantes
Denis Arkadievitch Kaufman ou Dziga Vertov como ficou conhecido, após mudar seu nome por volta dos 19 anos, DZIGA, que é palavra ucraniana que significa roda que gira sem cessar e VERTOV, do russo que significa rodar, girar, nasceu em 2 de janeiro de 1896 na cidade de Białystok, na Rússia, com 19 anos começa a estudar medicina e também cinema, Por conta do apoio de Lenin e seu entendimento do cinema como veículo de mobilização, influência social e propaganda do regime soviético, Vertov teve total liberdade e apoio em suas pesquisas e estudos no audiovisual e se tornou o primeiro redator e montador do cinejornal do estado soviético, o Kino Nedelia.
Mais importante do que sua história pessoal é a importância que seus estudos tiveram para o audiovisual no geral e consequentemente e obviamente a que também teve para a humanidade, visto a grande influência que os produtos do audiovisual e da comunicação no geral tem sobre as pessoas.
Dziga Vertov com sua mulher, Elizaveta Svilova, e seu irmão, Mikhail Kaufman, criam em 1922, um grupo que pregava total contradição e revolta aos padrões do cinema mundial o “Conselho dos Três”, denominando-se kinoks — um composto das palavras russas kino (cine) e oko (olho) — surgiram para desmontar e reformular a forma de se fazer e enxergar o cinema, mudando-o para sempre e pavimentando, em maior ou menor grau, tudo aquilo que pode se considerar cinema e ainda mais o que chamamos de “cinema art”.
Dziga Vertov estudou a fundo o cinema e para tal o fragmentou em quantas partes possíveis, se dedicando principalmente aquilo que ele nomeia de “intervalo” e estudando a variação da forma como as pessoas reagiam a cada mudança de plano, o mais insignificante que aquele aparentava ser, e como cada um deles poderiam ser alterados pelo Kinok ( o criador da obra, aquele que manipula a câmera) para que ela guiasse a visão do telespectador e suas emoções da forma que quisesse, como esclarece melhor Jacques Aumont em seu livro “As teorias dos cineastas”: “O que conta não é um ponto de vista adotado a respeito dos acontecimentos aos quais se permanece alheio, mas um movimento não submetido a uma consciência que explica a dinâmica das coisas da sociedade. Como é membro do todo social, o Kinok tem virtualmente a possibilidade de estar em toda parte, de ir a toda parte, é o único que vê tudo pois tem essa possibilidade material, o super-olho (a câmera) e intelectual, a teoria do kinoglas, o cine-olho. O termo intervalo, designa em Vertov aquilo que separa dois fragmentos do mesmo filme, de um ponto de vista puramente técnico, vem portanto no lugar do rakor ( na linguagem clássica o ponto de corte entre um plano e outro). E em um sentido a oposição entre essas duas noções, rakor e intervalo, designa bem a diferença entre um cinema da continuidade dramática a ser estabelecida e reestabelecida ( que é o cinema narrativo clássico) e um cinema da descontinuidade visual, no qual cada momento do filme deve transmitir uma parte da mensagem total e de sua verdade(…)”
A própria criação do termo Kinok torna muito clara sua essência vanguardista na insatisfação de Vertov com o a forma de se fazer e assistir cinema, romantizada e irreal, Vertov queria a verdade, a realidade que a câmera e somente ela consegue captar do mundo, pois ela é superior ao olho humano e consegue mostrar tudo aquilo que passa despercebido a olho nu. Como ele mesmo esclarece em seu manifesto Nós :
“Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos
“cineastas”, esse bando de ambulantes andrajosos que
impingem com vantagem as suas velharias.
Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre a hipocrisia
e a concupiscência dos mercadores e o verdadeiro
“kinokismo”.
O cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas
visões e recordações da infância, afigura-se aos nossos
olhos como uma inépcia.
Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios
de dinamismo espetacular, com mise en scène à
Pinkerton, o kinok diz obrigado pela velocidade das
imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas
desordenado e de modo algum fundamentado sobre o
estudo preciso do movimento. Um degrau acima, do
drama psicológico, falta-lhe, apesar de tudo,
fundamento. É banal. É a cópia da cópia.
NÓS declaramos que os velhos filmes romanceados e
teatrais têm lepra.
— Afastem-se deles!
— Não os olhem!
— Perigo de morte!
— Contagiosos!
NÓS afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a
negação do seu presente.
A morte da “cinematografia” é indispensável para que a
arte cinematográfica possa viver.
NÓS os concitamos a acelerar sua morte.
NÓS protestamos contra a miscigenação das artes a que
muitos chamam de síntese. A mistura de cores ruins,
ainda que escolhidas entre todos os tons do espectro,
jamais dará o branco, mas sim o turvo.
Chegaremos à síntese na proporção em que o ponto
mais alto de cada arte for alcançado. Nunca antes.
NÓS depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos:
música, literatura e teatro. Nós buscamos nosso ritmo
próprio, sem roubá-lo de quem quer que seja, apenas
encontrando-o, reconhecendo-o nos movimentos das
coisas.
NÓS os conclamamos:
— a fugir —
dos langorosos apelos das cantilenas românticas
do veneno do romance psicológico
do abraço do teatro do amante
e a virar as costas à música
— a fugir —
ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro
dimensões (3 + o tempo), à procura de um material, de
um metro, de um ritmo inteiramente nosso.
O “psicológico” impede o homem de ser tão preciso
quanto cronômetro, limita o seu anseio de se
assemelhar à máquina.
Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento,
dedicar o essencial de nossa atenção ao homem de hoje.
A incapacidade dos homens em saber se comportar nos
coloca em posição vergonhosa diante das máquinas.
Mas, o que se há de fazer, se os caprichos infalíveis da
eletricidade nos tocam mais do que o atrito desordenado
dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens
passivos?(…)”
Apesar da grande exaltação às máquinas das novas tecnologias nesse texto, com uma tendência certamente futurista muito exaltada naquele século e pela constante constatação de Vertov de que a câmera é infinitamente superior ao olho humano e que o olho humano deve ser condicionado a câmera e não o contrário, fica mais claro ainda a revolta de Dziga Vertov com a forma americana de fazer cinema e a sua busca pela perfeição e por aquilo que ele chama de cine-verdade, que respeita o tempo natural do filme e apoiada na montagem a partir da visão do kinok e de seus super olho. O que pode ser exemplificado naquela que é sem dúvidas uma das obras mais revolucionárias do cinema e uma das melhores de Dziga Vertov, o filme “ Um Homem com uma câmera” (Tcheloveks kinoapparatom). Silencioso e rico em imagens da União Soviética sob os mais diversos ângulos, a obra de Vertov pretendia desvelar os segredos do cinema, da técnica e da linguagem cinematográfica.
Vertov morreu em Moscou, no dia 12 de fevereiro de 1954, quando, aos 58 anos de idade, não foi mais capaz de resistir ao câncer que o afligia e deixou textos e obras que inflaram ciegrafistas e diretores que se baseiam até hoje em seus estudos e levantam até hoje sua bandeira de revolta contra o padrão hollywoodiano, como por exemplo a crítica de Martin Scorsese aos filmes dos Vingadores da Marvel e que torna bem atual o texto de Vertov da “Resolução do Conselho dos Três”: “Em cumprimento à resolução do Conselho dos Três de 10/04, faço publicar os seguintes trechos:
1. Após examinar os filmes que nos chegaram do Ocidente e da América e, tendo em vista as informações que possuímos sobre o trabalho e as pesquisas realizadas aqui e no exterior, cheguei à seguinte conclusão:
A sentença de morte pronunciada pelos kinoks em 1919 contra todos os filmes sem exceção, permanece válida ainda hoje. Nem um exame mais atento pôde revelar filme ou pesquisa que traduzisse a aspiração legítima de libertar a câmara reduzida a uma lamentável escravidão, submetida que foi à imperfeição e à miopia do olho humano.”.
Por João Guerra