Suspiria (1977): um pesadelo colorido

Vitória Thomaz
5 min readAug 14, 2024

--

Há quase 50 anos, em 1977, o cineasta italiano Dario Argento lançava “Suspiria”. O filme narra a história de Suzy Bannion (interpretada por Jessica Harper), uma bailarina americana que viaja para a Alemanha em busca de aprimorar seus conhecimentos em uma renomada academia de dança. Contudo, a tranquilidade logo se transforma em terror quando uma série de assassinatos brutais começa a assombrar o local, levando Suzy a suspeitar que algo sinistro habita os corredores da academia.

Dario Argento, conhecido por seu talento no cinema de terror e giallo, não entrega apenas um filme de terror comum, mas uma obra-prima que se destaca no gênero, transformando o pesadelo em um espetáculo de cores vivas e intensas. A fotografia brilhante e a paleta de cores marcantes são elementos que definem visualmente “Suspiria”, enquanto a trilha sonora sombria contribui para criar uma atmosfera mágica e enigmática ao longo do filme.

Terror em vermelho

Em uma das cenas iniciais de “Suspiria” (1977), o diretor de fotografia, Luciano Tovoli, utiliza de forma brilhante a paleta de cores, com destaque para o vermelho vibrante que irá permear toda a narrativa. Argento emprega cores intensas, como verde, azul, rosa e, especialmente, o vermelho em tons neon, para criar uma atmosfera onírica e perturbadora.

Na cena em questão, a protagonista Suzy Bannion chega à academia de dança sob uma forte tempestade. A câmera de Argento captura de forma marcante a fachada imponente do prédio. A composição do plano de ambientação, inicialmente mais amplo, permite que o espectador tenha uma visão completa do edifício.

Em seguida, a câmera se aproxima gradualmente, reduzindo a distância e englobando a fachada em um plano mais fechado. Esse movimento de aproximação não apenas guia o olhar do espectador, mas também cria uma sensação de imersão, como se estivéssemos sendo convidados a entrar na história junto com Suzy. A iluminação, enfatizada pela chuva que cai, adiciona um elemento de mistério e antecipação, sugerindo que algo sinistro está por vir.

Além disso, o uso do vermelho na fachada da academia não é meramente estético, mas simbólico, prenunciando o sangue e o horror que se desdobrarão ao longo do filme. Essa cor, combinada com a iluminação e a chuva, contribui para a criação de um ambiente quase surreal, típico do estilo gótico de Argento.

Plano de ambientação onde vemos a fachada da academia no início do filme. Foto: Suspiria (1977)

Suspiria além de ser uma aula de como usar cores no terror, também é uma aula sobre o uso de cores no cinema em geral. É praticamente impossível assistir ao longa e não ficar fascinado pelas suas belas imagens e planos. Certamente, a cor com o maior destaque é o vermelho, que pode ser visto em variadas cenas.

Jessica Harper como Suzy Bannion. Foto: Slay Away

Na história, a personagem Pat Hingle (Eva Áxen) é inicialmente assassinada em uma cena super bem construída. Após esse acontecimento, as coisas ficam agitadas na academia. Com o assassinato de Pat, a personagem Sara (Stefania Casini) começa a investigar o que anda acontecendo pela academia de dança, o que também resulta na morte da personagem. O sangue usado nas mortes do filme de Argento é representado por um vermelho quase como uma tinta guache, nada parecido com sangue real. Suspiria parece tentar fugir de um compromisso fiel com a realidade, trazendo uma sensação onírica para o longa, que parece de fato um pesadelo colorido ou um conto de fadas assombrado.

Outro mérito inegável de Suspiria é o uso da arquitetura e design de interiores. Os ambientes do filme não passam despercebidos aos olhares de quem assiste ao longa-metragem.

Plano-geral mostrando a arquitetura diferente e colorida de um ambiente do filme. Foto: Suspiria 1977

O horror em Suspiria se dá pelo mistério de não termos conhecimento se as professoras em volta de Suzy Bannion são confiáveis. A história começa a ficar cada vez mais intensa quando surge o questionamento de que aquela academia pode pertencer a bruxas, o que se prova verdadeiro no final do longa, quando descobrimos que o local é comandado por um coven. A mitologia por trás de Suspiria conta que existiria uma bruxa, chamada Helena Markos, que estaria por trás dos acontecimentos sombrios da narrativa. É com essa bruxa que Suzy Bannion terá um confronto final.

Próximo ao final do filme, há uma cena memorável em que a protagonista descobre uma passagem secreta na academia. Para acessá-la, ela precisa interagir com uma flor esculpida na parede. Este momento não apenas intensifica o suspense do enredo, mas também exemplifica o uso magistral de planos detalhes em Suspiria. Esse plano não só captura a beleza da cena, mas também contribui para a atmosfera misteriosa e enigmática que permeia todo o filme.

Mãos de Suzy Bannion compõem um plano detalhe. Foto: Suspiria 1977

Um terror influente

Engana-se quem pensa que apenas tons escuros podem ser usados em filmes de terror. É claro que o gênero cinematográfico é mais lembrado pelos seus tons escuros e assustadores, pelo preto, pelo sombrio. Mas também é possível utilizar as cores para criar uma atmosfera onírica e sobrenatural, como foi o caso de Suspiria.

Após seu lançamento nos anos 70, sua influência permaneceu. Filmes como Demônio de Neon (2016), Maligno (2021) e Noite Passada em Soho (2021), são exemplos atuais de longas-metragem em que seus realizadores se inspiraram no visual de Suspiria. É possível afirmar essa relação, principalmente pelo uso de cores neon na fotografia desses filmes citados.

Suspiria, de 1977, também ganhou um remake no ano de 2018, dirigido por Luca Guadagnino. No entanto, o filme de Luca não utilizou das cores do original, mas ainda sim tem seu próprio charme.

Filmes como Noite Passada em Soho (2021) beberam da fonte de Suspiria. Foto: @colorpalette.cinema

Um clássico imperdível

Sendo ou não um fã do gênero de horror, Suspiria merece ser assistido por todos. É o tipo de filme imperdível, pois marcou e influenciou histórias e diretores seguintes, além de inovar em sua linguagem cinematográfica. Suas cores fantásticas e seu pesadelo sobre uma academia de dança comandada por bruxas fica marcado para sempre na mente de quem assiste.

Cena de Suspiria e sua paleta de cores predominante. Foto: @colorpalette.cinema

--

--

Vitória Thomaz

Estudo Jornalismo na Uerj / RJ / Apaixonada por cinema, moda e música. Também escrevo críticas de cinema em: https://www.planocritico.com/author/vitoria-thomaz/