Samuel Alves espera ansiosamente pela câmera doada pela fotógrafa Natália (FOTO: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Menino que sonha em ser repórter ganha câmera, após ser alvo de deboches na internet

Morador de Orós pediu uma câmera em um grupo do Facebook, foi alvo de piadas e recebeu ajuda de uma fotógrafa paulista

William Barros
William Barros
Published in
4 min readFeb 20, 2020

--

Reportagem produzida para a editoria “Cotidiano”, do portal Tribuna do Ceará, em 2019.

Mais de dois mil quilômetros separam o cearense Samuel Alves e a paulista Natália Freitas. Recentemente, a solidariedade uniu os dois. Samuel quer ser repórter e pediu que internautas lhe doassem uma câmera. O desenrolar dessa história foi comovente.

Depois de muitas piadas e desdém dos membros de um grupo no Facebook, Natália decidiu ajudar o garoto. Nesta segunda-feira (22), a fotógrafa envia uma Canon T5 para o adolescente.

A história, que viralizou nas redes sociais depois de ter sido publicada pelo site Razões para Acreditar, tem início em Guassussê, um distrito de Orós, a 410 quilômetros de Fortaleza. Lá, o jovem Samuel administra um blog, uma página no Facebook e um canal no YouTube sobre notícias da comunidade.

“Comecei entrevistando meu primo no canal, quando eu tinha 8 ou 9 anos”, relembra o aspirante a jornalista.

Segundo o adolescente, a câmera pedida nas redes sociais era para que ele pudesse gravar reportagens e fazer transmissões de melhor qualidade para o público. O apelo foi feito em grupo utilizado por quem pretende se desapegar de algum objeto. Rapidamente, o campo de comentários foi preenchido por falas que desmereciam a tentativa do jovem.

“Se você estiver esperando uma câmera dessas cair do céu para você realizar seu sonho, vai ser meio difícil”, comentava um. “Alguém tem um carro de 2015 completo para me dar?”, debochava outro. “Eu sei que ninguém doa uma câmera dessas”, desanimou-se Samuel.

Internautas responderam com deboche ao pedido de Samuel (IMAGENS: Reprodução/Razões para Acreditar)

Um abraço virtual

A publicação do cearense se espalhou pelo Facebook e chegou ao grupo “Abraço Virtual”, onde as pessoas publicam histórias e pedem ajuda. A foto da câmera no post original chamou a atenção de Natália.

“Vi que se tratava de uma criança humilde. Senti amor em seu pedido. Me vi nesse menino e fiquei com muita raiva de ver as pessoas jogando negatividade no desejo de uma criança”, critica a paulista.

Segundo ela, o início de sua carreira também foi marcado por dificuldades e negativas aos pedidos de ajuda que fazia a profissionais mais experientes. Por isso, ela se identificou com o adolescente.

Natália doou a câmera que utilizou em seus primeiros trabalhos (FOTO: Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Tive que estudar muito e consegui me destacar na minha profissão. Quando vi o Samuel, imaginei que ele pode fazer o mesmo, que conseguirá, assim como eu”, comenta Natália.

O equipamento que acompanhou a fotógrafa em seus primeiros trabalhos agora será de Samuel. “Sabia que minha câmera estava guardada há três anos para que eu desse a alguém que ame tanto a sua profissão quanto eu amo a minha”, reflete.

Presente de madrinha

Em seu canal, o estudante de ensino fundamental publicou um vídeo de agradecimento à doadora. Nas cenas, ele se refere a Natália como “madrinha”.

“Se não fosse ela, eu não teria conseguido realizar meu sonho. Ela é uma pessoa muito boa. Doou uma câmera que é muito cara. Ela tem um coração bom”, reconheceu o jovem. Uma câmera do mesmo modelo, nova, é vendida por R$ 1.500 em lojas especializadas.

A fotógrafa afirma ter se emocionado assistindo ao vídeo. “Morri de chorar. Assisti umas 60 vezes ou mais. Quando eu mostro, todo mundo chora também”, conta.

Segundo Samuel, a boa ação de Natália tem inspirado outras pessoas. “Tem uma pessoa que quer doar um tripé e tem um homem que quer doar dinheiro para a minha conta”, comemora o garoto. Ele também revela que um grupo de fotógrafos o convidou para participar de um evento em São Paulo. “Queriam pagar tudo, mas eu não pude ir”, lamenta.

Questionado sobre como imagina sua vida quando crescer, Samuel responde sem titubear: “Repórter. Quero aparecer na televisão falando sobre minha cidade”.

Desde que a fotógrafa entrou em contato com o adolescente, ele espera ansiosamente pelo equipamento, que deve chegar nas próximas horas. A partir desta segunda-feira (22), os 2.587 quilômetros que separam Samuel e Natália serão percorridos pela câmera. A máquina, no entanto, não viaja desacompanhada. Junto a ela, está a realização do sonho mais sincero de um jovem.

--

--

William Barros
William Barros

Cearense, repórter na Folha de S.Paulo. Criativo, curioso e interessado em contar boas histórias.