Mulheres negras e trabalho — Considerações a partir do pensamento de Patricia Hill Collins pt1

Winnie Bueno
3 min readSep 26, 2018

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Classe operária que fala né?

Série de comentários sobre o Black Feminist Thought realizados como forma de retribuição dos auxílios financeiros recebidos para que eu possa conhecer a Dra. Collins pessoalmente.

As mulheres negras são tratadas como as mulas da sociedade. São aquelas que são desumanizadas e tratadas enquanto animais de carga, recaindo sobre elas os maiores prejuízos do sistema capitalista.

Angela Davis, Patricia Hill Collins, Zora Hurston, Sueli Carneiro e tantas outras ativistas intelectuais descrevem como que o tratamento desumanizante de mulheres negras atua. Hill Collins destaca que mulheres negras são tratadas como máquinas vivas, podendo ser consideradas apenas como objetos que fazem parte da paisagem. Esse tratamento é útil para a exploração do trabalho de mulheres negras,a subjetivação das mulheres torna mais difícil a exploração das mesmas.

É fácil de verificar isso ao analisar o trabalho no Brasil. No que pese mulheres ingressarem menos no mercado de trabalho, mulheres brancas quando ingressam ocupam postos de trabalho menos precários do que de homens negros. Mulheres negras não só ingressam menos no mercado de trabalho como ingressam em locais fixos, estereotipados e ainda mais explorados. Logo, o trato desumano destinado à mulheres negras corresponde a uma forma de manter estas exploradas. A forma com que trataram a advogada Valéria é outro exemplo que ilustra bem essa questão: ainda que essa mulher esteja ocupando um posto de trabalho reconhecido , o trato que ela recebe é desumanizante, uma forma de colocar as mulheres negras no seu “lugar”, aquele que é previamente designado por outras pessoas que não nós mesmas.

Além disso, nas sociedades capitalistas ocidentais, o trabalho é o que você é. Dessa forma, ao fixar mulheres negras em postos determinados de trabalho, fixa-se também uma narrativa sobre as mulheres negras. Ao desumanizar uma advogada negra, o sistema deixa evidente que ela não é lida como uma advogada, ainda que exerça essa profissão.

Patricia Hill Collins enfatiza que as análises sobre o trabalho de mulheres negras centraliza-se em dois aspectos : por um lado, a forma com que o trabalho remunerado de mulheres negras é influenciado pelas opressões intersectadas de raça, gênero e classe. Ao analisar os padrões do status de trabalho de mulheres negras é possível compreender os padrões gerais de desigualdade de raça e gênero. Infelizmente, esse não é um recurso de pesquisa utilizado no Brasil. As pesquisas sobre trabalho e mulheres, no geral, centram-se nas experiências de mulheres brancas, tornando portanto a compreensão sobre desigualdade no campo do trabalho insuficientes.

As pesquisas desenvolvidas sobre o trabalho de mulheres negras a partir de marcos teóricos construídos pela intelectualidade negra, sobretudo o feminismo negro,analisam o trabalho de mulheres negras em uma perspectiva dúplice. No que pese nossas posições no mercado de trabalho serem limitadas, ocupar o mercado de trabalho tem um contorno que demonstra o empoderamento de mulheres negras. Mesmo nos setores que são comumente desvalorizados, como o serviço doméstico, a consciência a respeito da forma com que o racismo nos fixa nesses lugares acaba criando uma resiliência que permite a construção desse empoderamento numa perspectiva coletiva.

A outra esfera relevante dos estudos sobre mulheres negras e trabalho diz respeito ao trabalho não remunerado de mulheres negras, aquele exercido dentro das próprias famílias e para seus filhos e filhas, pais, maridos e comunidade. Sobre isso a gente conversa na parte 2.

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