O desemprego de jovens doutores, a busca por soluções e a função social do pesquisador do Brasil

Yasmim Yonekura
4 min readJul 18, 2018

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Nos dois últimos dias, a BBC tem publicado textos [1] [2] da pós-doutoranda Juliana Sayuri sobre o desemprego e sub-aproveitamento de pós-doutores no Brasil. Hoje, para coroar a sequência, tivemos a entrevista de uma neurocientista que foi aos EUA e conta a glória da ciência privada e aponta que a solução seriam Universidades geridas por empresas.

Como mulher preta, filha de imigrante japonês, e a primeira a me pós-graduar numa Universidade federal sob os governos Lula e Dilma, a lógica segregacionista e o tom anti-academicista das reportagens ficam claros. Claríssimos.

Sempre foi um projeto político da burguesia nacional e da grande mídia que a esta serve (O Globo reproduziu e veiculou as reportagens) acabar com a universidade pública brasileira para subalternizar todo nosso conhecimento e modelo acadêmico aos EUA, incluindo a taxação das nossas universidades públicas. Aproveitar os tempos de crise para criar uma base político-ideológica que viabilize isso é exatamente o tipo de estratégia perfeita para abrir caminho para a privatização do ensino superior.

Porém, tanto no texto de Sayuri quanto na entrevista, surpreendeu-me as autoras não questionarem a falta de interesse, motivada pela falta de políticas públicas, dos doutores em dar aula no ensino básico, a suposta falta de Aplicação (trocadilho) de um modelo que integre a educação pública básica e a superior e como os doutores podem ser inseridos em cargos administrativos e cargos que não são da docência dentro da máquina do Estado brasileiro, fora que a reportagem nem piscou pra falar da função da pesquisa x as necessidades das camadas sociais mais pobres do Brasil. Mas os textos da BBC fizeram questão de chamar de “desorganizada” a expansão do número de universidades no governo do PT.

Não foram mencionadas as resistências e as lutas que a ANPG e as APGs, entre outras associações de pesquisadores, vêm travando contra o governo golpista nesse cenário. Falar sobre os cortes causados pela PEC na Educação também não aconteceram. Sayuri menciona a crise ‘estrutural’, mas não fala do golpe de um estado de Exceção e não menciona que os arrochos não atingem apenas a Ciência, mas antes de tudo a classe trabalhadora brasileira.

Isso casa-se com uma lembrança clara que tenho: A grande quantidade de pesquisadores (mestrandos e doutorandos) que apoiaram com unhas, dentes e coração a saída da Dilma, tanto entre as amigas e amigos do Facebook quanto nos grupos de pós graduação.

Agora, choram todos, mostrando a falta de maturidade pra pagar pelo projeto político que apoiaram. Isso nos provas que conhecimento teórico é bem diferente de consciência política relacionada com o papel que você ocupa na sociedade.

Enquanto classe política, de pesquisadores, às vezes, parecemos descolados da realidade social e imersos na vida acadêmicas. Foram poucos os pós-graduandos que eu vi, colegas, de fato, apoiando-se ou engajando-se politicamente nas atividades durante a luta pré e pós golpe. Eu -, que sempre acreditei que a academia é inseparável da vida real e que minha função enquanto pesquisadora é mudar a realidade do povo brasileiro, a quem toda minha produção científica deve servir — participei das ocupações e me engajei o máximo que pude nos movimentos políticos contra o golpe. Durante as assembleias debatendo as Ocupações e a PEC do arrocho, porém, sem dúvida nenhuma, a grande maioria era de estudantes da graduação. Os pós graduandos deveriam ter algum outro prazo mais importante do que discutir e se empenhar na mudança do futuro político desse país.

Os textos de Sayuri e da neurocientista apenas ratificam o desespero de uma classe que literalmente está sentindo a água bater na bunda. Uma geração que cresceu na bonança acadêmica e que viveu suficientemente hermetificada para não lembrar que título não enche barriga.

Em parte, essa condição vem de uma academia que, ao viver a bonança da expansão do começo dos anos 2000, esqueceu que deveria servir a sociedade e dialogar com ela. Pessoalmente, eu acredito que deveria lutar com ela.

De todos esses textos e compartilhamentos, não vi ninguém comentando: Vamos então nos mobilizar enquanto pós-graduandos e começar um manifesto político pela extinção da PEC do arrocho dos gastos públicos e vamos dialogar com os grupos políticos que podem ser centrais para unificar isso num movimento político popular.

Porque a academia é feita de privilégios e a docência no ensino superior é o sonho de todos nós. Se o Temer voltar a promover concursos, muitos dos que conseguirem as vagas se calarão. Muito dos pró-golpistas voltarão a ser pró-golpistas.

Porém, então, não será feito o exercício de por que não temos doutores no ensino básico. Por que almejamos carreiras tão altas e aceitamos o salário ridículo do professor (muitas vezes, apenas graduado e sem nenhum tempo para criar um trabalho na academia) do ensino básico? Por que nos calamos quando eles apanham da polícia, porque não estamos ao lado deles na luta? Porque não prestamos concursos para cargos na docência do ensino fundamental e médio (com exceção da rede federal)?

E não seríamos nós os responsáveis por levantar o debate da federalização da educação básica e a integração ativa do ensino básico com a universidade pública?

Por que o lugar do pesquisador é necessariamente na docência? Como poderiam esses pesquisadores e seus trabalhos serem absorvidos pela máquina do Estado brasileiro em cargos técnico-administrativos? Como poderiam estar, por exemplo, no Judiciário, ainda tão necessitado de esclarecimento?

Pensar a expansão que tivemos requer agora que nos articulemos para pensar nossa integração profissional no Estado e no mercado [para quem almejar, não é meu caso] brasileiros?

E pensar essa integração não passaria diretamente por pensar o papel social e político dos pesquisadores e das universidades brasileiras na luta ao lado do povo contra o governo ilegítimo de Michel Temer?

Ou vamos realmente só ficar chorando quando a água bate na bunda?

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