A nobreza das virtudes
E o que podemos aprender com o caos
Primeiro, preciso começar dizendo: o caos é natural. “Mas Yasmin, o caos não é caótico?”. Sim, é de sua natureza.
Quis deixar isso claro pois demorei a entender e dificultou muito as coisas para mim.
Aceitar a natureza caótica da realidade nos livra do sofrimento de não entendê-la.
Como diz a sabedoria taoísta, tudo existe no princípio da polaridade. Ou seja, caos e ordem são opostos complementares, positivo e negativo, o símbolo do yin yang que já vimos por aí (que na verdade se chama tai chi).
Para ilustrar, imagine uma folha de papel. É possível que a folha exista somente de um lado? Ou, ao existir, ela naturalmente possui uma frente e um verso?
Como saber que um gosto é amargo sem ter sentido o doce?
(Caso tenha curiosidade sobre os princípios taoístas, como o da polaridade, recomendo muito um episódio do programa “Quem Somos Nós”. Clique aqui para assistir).
Podemos fazemos ordem a partir do caos. É nesse choque, nesse contraste, que discernimos o que é bom e ruim, o que faz bem e o que faz mal.
E o que isso tem a ver com virtude?
Bem, se tudo na natureza é feito para evoluir, nós, que também somos natureza, temos a tarefa existencial do auto aprimoramento. Ou auto desenvolvimento, como queira chamar.
Mas como iremos nos desenvolver quando tudo é ordenado e bom o tempo todo? Porque sairíamos do conforto para nos prepararmos se nada de ruim vai acontecer?
Vou dar um exemplo prático.
Marie Kondo é uma japonesa expert em arrumação, tem vários livros e programas na Netflix sobre o tema. Acompanho ela já há algum tempo e fiz o método de arrumação dela, o KonMari. Ele consiste em manter o que te traz alegria e descartar o que não traz. Foi um divisor de águas para mim.
O método funciona a partir de um certo caos temporário. Em cada categoria, você coleta todos os itens referentes, espalhados pela casa, e os concentra em um único local. Para, só então, começar a seleção do que fica e o que sai.
A primeira categoria são as roupas. Você começa recolhendo todas as roupas de todos os lugares da casa e forma uma grande pilha à sua frente. Acredite, essa visão a dará um choque e a fará perceber a quantidade de itens que você tem e nem imaginava. Mais ainda: coisas que você ama e estavam escondidas, bem como coisas que você não gosta que estavam expostas.
Foi preciso tirar tudo do lugar para se dar conta do que estava guardado.
O caos é movimento. Nos força a sair de nosso abrigo ao bagunçá-lo. E tendo de arrumar, descobrimos o tanto de sujeira que havíamos amontoado.
Essa sujeira são os maus hábitos, os defeitos, os vícios e por aí vai. Que fazem parte de ser humano.
Então, ao confrontarmos as nossas falhas que aparecem justamente em situações de descontrole (seja nosso ou da vida), recebemos um convite.
Somos convidadas a nos aprimorar para conseguir lidar com o que é difícil. O resultado desse aprimoramento é a virtude.
A virtude é nobre porque nos eleva diante quem éramos antes. Ela vem de um esforço autêntico em se perceber aprendiz, ignorante e se colocar na posição de aprender com a própria vida.
Na adolescência, participei de uma organização chamada Filhas de Jó Internacional. Ela preza exatamente pelo desenvolvimento de jovens garotas por meio das virtudes, como honestidade, honra, fé, sabedoria, etc.
Seu lema é “A virtude é uma qualidade que enobrece a mulher”.
Tanto essa organização quanto outras diversas que possuem algum ritual, e que eu participo, operam sobre a dinâmica de uma jornada iniciática.
Ou seja, os ensinamentos se dão por uma estrutura de jornada da heroína. Uma pessoa que é retirada da escuridão, do comodismo e é convocada para fazer uma travessia difícil.
E, nesse caminho, precisa desenvolver habilidades para lidar com os desafios que encontra. Desafios que ficam cada vez mais árduos e provocam uma evolução, se quiser continuar em frente. Para que, por fim, chegue na condição de heroína (da própria vida).
As histórias usadas nessas organizações iniciáticas são diversas, mas centram-se em contar como sujeitos (fictícios ou não) foram capazes de superar a si mesmos em meio a imensas tribulações.
Seus esforços foram significativos a tal ponto que tornaram-os símbolos e exemplos que inspiram outras pessoas que se dispõem a responder a esse chamado de auto evolução.
A virtude é conquistada no caminho. Não é dada. É fruto de um labor interno de melhoramento.
É aquele caso. Se pedir paciência a Deus, não será depositada instantaneamente em você. Ele colocará situações que a façam desenvolver esse atributo. Será uma conquista sua. Mais profunda e duradoura.
Confesso que sempre gostei de estudar esses simbolismos. Mas que não tinha uma conexão mais prática com esse conceito de virtude. A vida adulta me ajudou a entender.
Descobri que a tendência desse mundo é pro caos, pro que é denso, pesado, difícil. A própria gravidade é um exemplo. Ela empurra as coisas para baixo. É uma lei natural.
Como diria a filósofa Jéssica Petit, “a realidade é de natureza conflituosa”.
É esse cenário que nos incentiva (ou força) a fazer o trabalho de nos elevar a uma condição melhor se quisermos ter paz. Pois, como adultas, somos as responsáveis pelas mudanças que queremos fazer em nossas vidas.
A paz é fruto de um trabalho interno e contínuo. Assim como a felicidade. E acredito estarmos ainda bem distantes de compreender efetivamente e coletivamente a essência desses dois estados.
Mas esse ideal de uma vida mais pacífica e feliz nos serve de horizonte. E, olhando pra ele, temos um motivo pra caminhar.
Nesse percurso, amadurecemos. Pois, o tempo todo, iremos lutar contra a tendência da guerra (interna).
Essa batalha é o confronto com nossa escuridão. É desse atrito que geramos fogo, consciência. Assim, aquecemos nossa alma e nos tornamos luz.
Compreendo também que só é possível falar com gentileza sobre o caos após passarmos por ele. Dentro do furacão, toda nossa energia está focada em minimizar os danos que ele pode causar.
Porém, se desde já, experimentarmos um olhar de aprendizado diante ao que acontece, ganhamos leveza. Pois, tal como o caos é natural, também é a ordem. E tudo serve para nos elevarmos. A natureza acredita em nosso potencial.
Essa compreensão alivia um pouco o peso do sentimento de injustiça diante dos infortúnios. Tudo se torna uma oportunidade de crescimento.
Todos e todas estamos à mercê desses infortúnios. Infelizmente, uns mais que outros, devido às desigualdades que criamos enquanto sociedade ao longo da história.
Mas, se formos numa floresta com os pés descalços, não importa o quão bondosas somos, poderemos ser picadas por uma cobra do mesmo modo que uma pessoa não tão bondosa assim. A natureza vai agir conforme ela é.
Essa é a batalha do dia a dia. E se escolhermos estar conscientes dela, poderemos nos fortalecer com as lições que ela tem a nos ensinar. Quem sabe, até lidar melhor com novos confrontos e torná-los menos pesados.
Mais ainda, com a consciência teremos o poder de quebrar o ciclo de lições repetidas. Pois, enquanto não cumprirmos o aprendizado daquele caos, ele vai se repetir até que aprendamos.
Assim, podemos cultivar a poderosa virtude da resiliência. Mas antes, da coragem, em ir, mesmo com medo, enfrentar os dragões. Com isso, nos fazemos resolutas, agindo com convicção diante dos obstáculos que aparecem.
Já que confiamos que tudo age conforme o propósito, e esse propósito é de nos elevar a nós mesmas.
Como diria a filósofa Jéssica Petit, “A vida é muito mais sobre aprender lições a respeito de si do que conquistar algo ou chegar a algum lugar”.
Qual virtude você está sendo chamada a trabalhar agora?
Coragem.
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