Fixe uma meta e…morra!
“Nossa meta foi fixada em $167 milhões, 30% a mais que a meta do ano anterior”, relembra a CFO.
“Nós ultrapassamos a meta em 17%”, afirma o gerente de vendas.
“Ótimo!”, exclama o chefe de divisão.
“Não chega a ser ao espetacular, visto a situação do mercado nesse último semestre, aposto que poderíamos ter superado a meta em 35%”, diz o gerente de produção.
“Na verdade, os valores das estimativas já estavam defasados em fevereiro”, constata a diretora de marketing.
“Com um processo de planejamento melhor poderíamos aumentar a exatidão das nossas estimativas”, diz o gerente da controladoria.
“Infelizmente nossos concorrentes tiveram um sucesso maior no mesmo período”, relata o gerente de inteligência de mercado.
“Vamos rebaixar o orçamento do bônus e reativar o plano de demissão para os piores desempenhos individuais”, diz o diretor de RH.
Um número, várias interpretações e ações diferentes.
A definição de metas fixas no processo de planejamento e a avaliação do desempenho em comparação entre o planejado e o realizado parecem, a rigor, procedimentos objetivos e legítimos. Acrescente a isso bônus pelo desempenho em direção à meta e teremos um cenário comum a várias organizações.
Na prática, a maioria das metas não passa do resultado de um processo de negociação que se inicia no topo da hierarquia da empresa com a formação de expectativas quantitativas e desafiadoras. Assim, toda a organização é submetida a ditadura dos números fixos e absolutos.
Ao definir metas fixas, estreitamos a finalidade genuína e começamos a perder de vista, ao menos em boa parte, o sentido da nossa ação. As metas, como substitutas da finalidade, são perniciosas porque desvalorizam o caminho do aprendizado, da colaboração e da experiência conjunta.
Acrescente a isso que os bônus ligados às metas levam as pessoas a terem um comportamento que esteja em conformidade com a meta e não com as necessidades do cliente e o propósito da organização. Por vezes as pessoas evitam tomar riscos e corroboram na manipulação de dados para o cumprimento da meta, afinal a recompensa financeira pode valer esse “esforço”.
Metas fixas e bônus ligados a avaliação de desempenho são um cortejo para tornar as organizações inflexíveis e propensas a uma morte agonizante.
E então, o que fazer quanto às metas?
Todas as pessoas da organização devem fazer uso das metas como um recurso capaz de acompanhar a dinâmica e a complexidade do negócio, do mercado e das necessidades dos clientes. O caminho é levar todos os esforços da gestão de uma organização e, por conseguinte as pessoas, a serem orientados por metas relativas.
Metas relativas são flexíveis e se adaptam automaticamente às mudanças. Elas não estão fixas nem são determinadas em termos numéricos absolutos. Não precisam ser determinadas por uma alta gestão da organização, elas podem emergir de baixo e em qualquer unidade — departamento, área ou equipe — da organização.
Como ter metas relativas?
As pessoas devem comparar real x real. Elas devem analisar o que a organização ou uma unidade menor (departamento, área ou equipe) realizou ao longo do tempo com o realizado ao longo do mesmo tempo por uma outra organização ou unidade equivalente. Afinal, o que clientes, acionistas, trabalhadores e outros interessados querem saber é, por exemplo, o quanto o lucro da organização foi melhor que o dos concorrentes, o quanto os trabalhadores, juntos, conseguiram melhorar a relação entre despesa/receita da unidade e como um departamento, área ou equipe pode ajudar outra a diminuir sua despesa. Veja o resultado disso e determine onde a equipe, a unidade geradora de valor ou a organização gostaria de estar nessa comparação, à frente no faturamento do melhor concorrente? 20% acima do lucro do concorrente XPTO? Entre as 3 equipes com melhor satisfação do cliente em toda a organização?
E também, as pessoas devem relacionar as metas relativas das equipes ou unidades geradoras de valor de forma que cada uma contribua para que a organização alcance a meta relativa dela. A partir disso as pessoas devem definir as ações necessárias para que as metas relativas sejam alcançadas, cada pessoa contribuindo para a meta da sua equipe ou unidade. Assim, surgirão a colaboração, os melhores comportamentos e ações inovadoras para que as pessoas persigam resultados ilimitados.
E quanto às avaliações de desempenho e bônus?
Elimina-se a necessidade de avaliação do desempenho, sobretudo no nível individual. Quando se opta por metas relativas, a avaliação já está expressa na meta. Sem metas que competem entre si e um processo de avaliação dispendioso, as pessoas, equipes ou unidades geradoras de valor devem seguir seu próprio conhecimento e julgamento a fim de se adaptarem às condições e aos ambientes externos em mudança e focarem no que interessa para o sucesso de todos.
Pois, diferente dos sistemas tradicionais, não se pode ignorar a colaboração e o trabalho em equipe, a lealdade dos trabalhadores, a capacidade de inovação e a satisfação dos clientes.
Além disso, feedback, não avaliações individuais, são a melhor forma de manter a “cola social” e ajudar as pessoas a conhecerem a si mesmas e se desenvolverem.
E o bônus? Se o desempenho relativo financeiro da organização foi adequado, então as pessoas devem dividir o “bolo”, independente do desempenho da equipe ou da unidade geradora de valor, afinal todos estão contribuindo para o propósito da organização e foram responsáveis por alcançar um resultado financeiro que só foi possível a partir do envolvimento de todos.
Metas relativas para sobreviver
As metas relativas são elementos cruciais no caminho para um modelo de gestão descentralizado na medida necessária, altamente dinâmico e não frágil frente a um mundo em constante mudança. São elas que determinam a flexibilidade e a agilidade de uma organização para sobreviver frente às incertezas do mercado e a complexidade do mundo.
Artigo baseado no livro: “Liderando com metas flexíveis” — Niels Pflaeging