Acentos

escrito em junho de 2024

um anticomputador sentimental
2 min readSep 16, 2024

Minha língua mãe é o português e é mãe em todos os sentidos. Faz-se complexa sem notar e só se nota quando se escreve, o que é de praxe. Acredito que sempre amarei cada pedaço do português brasileiro, já que foi apenas por causa dele que amei pela primeira vez, pois disse as palavras "eu te amo" e o que basta é que eu fui entendido. E como mãe é complicado, claro, mas é enraizado na mente e em cada beleza que ler, mesmo que em imagem ou em outra língua, haverá lá a primeira vez que você soube o que era cada uma daquelas palavras. E é mãe, porque não morre até que se pare de dizer seu nome.

Aprendemos, primeiro, a falar, depois, escrever e no final, à classificar. A classificação torna tudo chato, porque te obriga a organizar as coisas do jeito que alguma outra pessoa disse, e você, teimoso, se incomoda ao perceber que sempre fez isso. Coloca nomes em coisas que não precisavam, como nomear cada árvore de uma floresta, ou cada pedra em seu caminho. Você começa a dizer que odeia o português e diz isso o usando. Depois esquece, se acha bobo ao dizer tal coisa, porque quando adulto, já não lembra o que é proparoxítona ou tritongo, mas sabe por experiência cada traço e sílaba da palavra saudade.

Escrevo muito, leio muito e ouço à todo instante. Uso outras línguas, aprendo elas, me debruço sobre isso. E apesar de todas as vezes que combinei todas essas palavras, elas não descrevem exatamente o ato de falar, é porque me acostumei à máquinas de escrever e teclados e há alguns deles que não possuem acentos, e que tolice não ter acentos! Se descrevesse, porém, tudo com fiel clareza, teria de acentuar tudo. Haveriam alguns nomes ássím, afiados, estridentes e outros cõnfusõs ondulantes que não se sabe direito como lê. Pois toda vez que alguém grita por você, ouve-se apenas, de longe, a parte mais forte de seu nome.

Me recuso, então, que minhas últimas palavras sejam em qualquer outra língua. E me nego à começar a pensar que é ruim que tenha aprendido tudo, porque agora sei como ler todas as piores notícias. De todas as regras que aprendi, ainda vou achar mais rica a fala e escrita de quem só falou e ouviu. É certeiro que tenha acento em língua e é ainda mais certeiro que não é necessário saber disso para dizer.

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Written by um anticomputador sentimental

Yuri Silvério Sabino, 18 anos, BR/SP. Aqui estão compilados alguns dos meus textos e poemas para melhor navegação (por data, mas com algumas alterações atuais)

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