Crônicas de Padaria — 1: A minha predileta

Alex Piaz
2 min readJun 27, 2022

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Padaria é tudo de bom.

Eu curto padarias. Frequento-as desde que me entendo por gente. As padarias paulistanas, no meu microcosmo, são fascinantes. São Paulo é grande e tem de tudo, mas suas padarias são etnográficas por essência.

A minha padaria preferida não é a melhor nem a pior. É por si só um pedaço da história do bairro onde moro, na zona oeste de São Paulo. Aberta desde 1948, tem pão básico e poucas frescuras. Seus salgadinhos, coxinhas, empadinhas e correlatos estão entre os mais deliciosos da cidade. Seu café é OK. Há outros melhores em locais mais gourmetizados. Mas este serve ao propósito e tem preço justo. Ah! O delicioso pão de hambúrguer pode ser encomendado com horas de antecedência!

O melhor das padarias, entretanto, são seus frequentadores.

Na minha padaria compartilhamos um mesmo balcão políticos, jornalistas (tem um que sou fã, qq hora vou pedir autógrafo), professoras, policiais, um povo de ONG e uma mulher pouco mais velha do que eu (puro chute), muito bonita, mas que não dá bola para ninguém. Não que eu esteja interessado, mas uma resposta a um “bom dia”, um sorriso e tal, não arranca pedaços de ninguém e eleva a bonomia.

Creio que somos muitos, os padoqueiros. Afinal, nos encontramos todos os dias. Há uma certa cumplicidade velada nos balcões. Uma certa magia. E magia pressupõe momentos mágicos e pelo menos nessa padaria eles não faltam.

E há os mendigos, os loucos e outros seres que orbitam as portas das padarias. Na minha padaria tem uma figura dessas. Fica lá, ganha um café aqui, outro acolá, um lanche, um salgadinho. Não faz mal a ninguém e todo mundo gosta dele. Mendigos são mágicos também, de certa forma.

Hoje mesmo pela manhã, após tomar meu café e sair apressado com fones de ouvido no talo, percebo-o a balbuciar alguma coisa aparentemente para a minha pessoa. Pergunto: “salve! O que é que tá pegando?”. Ele olha pra mim, aponta para o chão onde há alguns papéis ordenados de maneira um tanto quanto singular e diz: “nada não, estou conversando com o papel aqui!”.

Eu me estatifico por um instante, estupefato. Na falta do que dizer, me escapa quase que naturalmente: “ah! Legal. Agora cuidado…O papel pode responder viu?!”. O mendigo olha pra mim com uma cara estranha, dá uma risadinha de canto de boca e solta a pérola: “ô, Alemão. O louco aqui sou eu, tá?”.

E assim foi o dia que ganhei.

Agradecimento especial para Marina Terra, que editou esse texto! :-)

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