Por que o Brasil não teve uma Wall Street?

José Augusto Miranda
5 min readJan 23, 2018

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Ministro da Fazenda Visconde de Ouro Preto sentado nos ingressos da dívida publica brasileira. Literalmente sufocando o setor privado. Capa da Revista Ilustrada edição de 31.08.1889, retirado de SUMMERHILL, William. The Inglorious Revolution: political institutions, sovereign debt and financial underdevelopment in Imperial Brazil

Hoje pode parecer fácil identificar as razões pelas quais o Brasil não tem uma Wall Street — um mercado de capitais ágil, de peso e de projeção internacional. Anos de desenvolvimentismo, uma economia fechada, baixos níveis de poupança e pouca segurança jurídica no direito de propriedade foram características marcantes do Brasil no século 20. Mas se voltarmos um pouco mais atrás, vemos a grande chance perdida pelo (Império do) Brasil em conseguir o grande salto e desenvolver a antiga Rua Direita no Rio de Janeiro numa verdadeira Wall Street tropical.

O Brasil de 1850 guarda muitas semelhanças com o Brasil de 2011. O preço de sua principal commodity — o café — estava em ascensão. O país passava por reformas importantes, como o primeiro código comercial, a primeira lei de terras e, o mais importante, o fim do tráfico de escravos: todos no mesmo ano de 1850. O Brasil se projetava internacionalmente, controlava politicamente o Uruguai e havia tirado o ditador argentino Juan Manuel de Rosas do poder à ponta da espada. Possuía uma marinha significativa e as contas púbicas em ordem e avançando. Era a grande potência independe do hemisfério sul.

O fim do tráfico de escravos foi um dos eventos mais importantes na história econômica do Brasil, que proporcionou a chance de o Brasil ter sua própria Wall Street. Infelizmente, como hoje sabemos, não aproveitamos. Até o surgimento do café, o grande negócio que azeitava a economia brasileira não era o algodão nem o açúcar. Eram os escravos. Ao longo dos séculos 17–18–19 o grande tráfico de escravos que fornecia mão-de obra para o hemisfério sul não era regido de Lisboa, mas de Salvador e do Rio de Janeiro. A quantidade de capital investido no negócio durante 300 anos era suficiente para se criar mais de uma Wall Street.

Rua Direita no Rio de Janeiro c.a 1900: a Wall Street que nunca foi.

Com o fim do tráfico de escravos em 1850, uma quantidade enorme de capital ocioso no Rio de Janeiro, Salvador e Recife pedia por novos investimentos. Para investidores dos setores comerciais, alocar recursos no setor agrícola — dominado por famílias tradicionais e poderosas- era uma opção pouco provável. Onde alocar todo esse capital desviado do lucrativo e agora proibido comércio de escravos?

O Império do Brasil foi objeto de louvor por suas contas públicas em ordem. A dívida publica consolidada pelas chamadas Apólices (largo prazo) e os títulos do tesouro (curto prazo) eram considerados os investimentos de portfólio mais seguros do hemisfério sul. Quem já leu Senhora (1874) de José de Alencar deve se lembrar das economias de Aurélia Camargo, as Apólices, guardadas a sete chaves em sua escrivaninha. Também na sua dívida externa, o Brasil foi o único país latino-americano a não incorrer em calote durante o século 19, e seus papéis possuíam risco menor que de Áustria, Espanha, Portugal, Itália e de qualquer papel Latino-Americano nos mercados internacionais.[1]

Mas como pôde o país latino-americano mais solvente nos mercados internacionais não desenvolver sua Wall Street?

Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá (1813-1889), uma das primeiras vítimas da burocracia brasileira anti-empreendedorismo.

Foi justo nessa época em que uma faísca de empreendedorismo surgiu no país. Barão — depois Visconde — de Mauá, o grande empreendedor brasileiro, aproveitou dessa fase positiva do país a partir de 1850. Abriu bancos, estaleiros, ferrovias, fundições, companhias de navegação no amazonas e trouxe o primeiro telégrafo conectando o Brasil à Europa em 1874. Mas como a bem conhecida história nos conta, pereceu ante a um Estado pesado e sufocante, à falta de capital disponível e à interesses políticos.

A boa conduta nas finanças públicas foi justamente o motivo do país não desenvolver um setor financeiro privado forte. Para se abrir uma empresa em sociedade anônima (de capital fechado ou aberto) no Brasil, era necessário um pedido direto ao Conselho de Estado — gabinete ultimo antes do Imperador. A título de comparação, em Londres na mesma época abrir uma empresa em sociedade anônima em regime de capital aberto ou fechado era uma simples medida burocrática realizada em cartórios. A bolsa de comércio do Rio de Janeiro operava sob estrito controle estatal (ao contrário das bolsas de Londres e Nova York, plenamente autônomas), e o setor bancário amargava uma triste coadjuvância à sombra do todo-poderoso Banco do Brasil. A morosidade e os custos nos processos em se abrir uma empresa de capital aberto no Brasil do progresso eram enormes. E havia um motivo para isso.

Ao Estado interessava mais canalizar todo esse capital sobrante do tráfico de escravos para suas impecáveis contas públicas do que para um setor privado pujante. Vender apólices, e ações do Banco do Brasil tinha necessariamente que ser o melhor investimento de portfólio do país. E com a legislação sufocante — somente reformada em 1888 quando gerou a primeira bolha financeira do país após a queda da Monarquia — investir em papéis da dívida pública se consolidou como o melhor investimento. Outra razão era canalizar o capital disponível para determinadas empresas e setores considerados mais estratégicos pelo Estado, como certas ferrovias e obras de infra-estrutura. Para essas empresas, seu registro era realizado em tempo recorde e rapidamente listadas na Bolsa de Comércio do Rio.

Ademais, fazendeiros, cafeicultores e as velhas elites imperiais ligadas aos setores agrícolas possuíam mais interesse em manter o crédito do Estado do qual eram credores (como Aurélia Camargo) e governantes (deputados e senadores) do que empresários aventureiros com ideias à inglesa como o pobre Mauá.[2]

O salto significativo dado pelos Estados Unidos após a guerra civil de 1860–1865 em canalizar os recursos destinados à escravidão transformaram a economia americana na maior do mundo em apenas 40 anos. O Brasil de 150 anos depois ainda patina com sua burocracia sufocante, ranqueando muito baixo Doing Buiness Ranking do Banco Mundial (nr. 125), atrás de países como Equador, Paraguai e Jamaica.[3]. Mais uma vez, não aprendemos nada com a grande oportunidade perdida em 1850. Hoje, com todas as reformas em voga, que lições vamos deixar para o Brasil de 2150?

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Agradeço em especial ao prof. Summerhill pelo genial e profundo estudo sobre esse tema.

[1] José Augusto Miranda, «Brasil e Peru: estratégias comparadas de obtenção de capital em Londres 1850–1880» (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul- PUCRS, 2017).

[2] William Roderick Summerhill, Inglorious Revolution: political institutions, sovereign debt and financial underdevelopment in Imperial Brazil (New Haven: Yale University Press, 2015).

[3] http://www.doingbusiness.org/rankings?region=latin-america-and-caribbean

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