A Celeuma Pentecostal

Considerações sobre a mudança do novo símbolo das Assembléias de Deus em Alagoas

Zé Bruno
6 min readJun 4, 2016

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A divulgação da nova logo das Assembléias de Deus em Alagoas tem causado uma celeuma nas redes sociais. Comentários que variam do cômico e sensato ao tendencioso e antiético fazem parte de toda esta discussão. Além disso suspeito de uma possível instrumentalização da situação para atender interesses pessoais e fins escusos. Mas como disse são apenas suspeitas e não quero me ater a elas. Interessa-me compartilhar algumas considerações.

Dentre as opiniões há quem reclame pelo fato dos membros não terem sido consultados. Apesar de sensata, tal reclamação seria uma problematização legitima se fossemos batistas ou presbiterianos, por exemplo, onde há uma liderança plural. Nossa forma de governo, infelizmente, não é assim, mas monocrática. Isso não é uma característica da atual gestão, faz parte da estrutura histórica das Assembléias de Deus. Gedeon Alencar, historiador que tem escrito alguns livros sobre a história da nossa denominação, a explica desta forma: “na Assembléia de Deus todo trabalho ao povo, todo poder ao pastor e toda glória a Deus”.

Temos que reconhecer o quão salutar esta discussão nas redes sociais e em outras plataformas acabaram sendo, com exceções dos comentários tendenciosos e antiéticos. Pois aqueles que raramente falam ou são ouvidos passaram a ter voz. Pudemos ouvir o que o povo pensa. Não foi um som uníssono, houve divergência, há divergência e isso é muito bom, faz parte. Saber o que os membros pensam é importante para qualquer liderança cristã, principalmente na tomada de decisões. Porém isso não significa que a liderança ficará refém da vontade do povo, mas que deve considerar sua opinião de modo que sua decisão siga o princípio do primeiro concílio (Atos 15): “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”.

Há quem condene o uso do chi-rho por ele ser usado pela Igreja Católica (ICAR). Ora que tolice, se fossemos deixar de usar um símbolo só por ele ser usado pela ICAR teríamos que recriar nossa denominação. Afinal os católicos batizam em nome da Trindade, vamos deixar de fazê-lo também? Eles fazem uso da cruz, muito mais do que nós, da pomba, do fogo etc. Vamos deixar de usá-los também? O chi-rho é um símbolo cristão, que remete ao nome de Cristo, logo todos os cristãos de qualquer tradição podem fazer uso dele tanto quanto os cristãos primitivos fizeram. Entretanto um erro que as pessoas envolvidas neste projeto visual cometeram foi desconsiderar um aspecto da nossa religiosidade: o anticatolicismo. Lembro-me que quando iniciei na “bléia” em Arapiraca aprendi com os irmãos mais antigos como combater as crenças mais populares do catolicismo, ser mundano era tratado em alguns momentos como sinônimo de ser católico e não poucos vezes a mera mudança de religião era aceita como conversão: “antes eu era católico, mas hoje sou crente”. Graças a Deus não trago mais esta característica comigo, pois embora discorde de parte da teologia romana, hoje claramente entendo que há pontos de convergências como aqueles encontrados no credo apostólico que tanto católicos quanto pentecostais, por exemplo, subscrevem. Todavia o mesmo não podemos dizer da nossa denominação, logo não é de estranhar que o novo símbolo, devido seu uso pela ICAR, cause estranheza e rejeição aos nossos irmãos.

Há quem condene a nova logo por achar que não é preciso mudar a atual. Bem, isso fica a critério de cada um. Todavia desconheço qualquer regra estatutária que proíba que tal mudança ocorra. A ausência de uma regra que perpetue nossa simbologia na história é um problema causado pelo nosso desapego a credos e tradições. Somos uma tradição cristã primitivista, ou seja, segundo James K. A. Smith, autor pentecostal, “temos uma visão negativa da história e em contrapartida nos vemos a si mesmos como representantes do “puro” ensinamento bíblico ou dos princípios da igreja do Novo Testamento”[1]. O que o Smith está dizendo é que nós pentecostais erroneamente damos um salto histórico da igreja do século 19 (surgimento do movimento pentecostal) para a igreja de Atos ao desconsiderarmos toda história, tradição, credos e símbolos do Cristianismo. Por isso não é estranho que a maioria dos membros só se importem com a vinculação que o atual símbolo tem com a ICAR e não com o Cristianismo em si.

Devemos estar satisfeito de pelo menos ser um símbolo historicamente cristão, apesar da forma imposta como foi divulgada, e que a igreja o explique, o que foi feito. Mas no aspecto estético acho que há outros símbolos mais bonitos que este (rs), apesar que achei genial colocar o icthus (peixe) na vertical e utilizar sua cabeça como uma chama. Além disso, penso eu, que o antigo símbolo não deveria ser de todo ignorado, mas atualizado. Penso que elementos que fazem parte dele poderiam ter sido utilizados para criação do novo de modo que quem o visse lembrasse do antigo e reconhecesse o novo. Argumentar que tal necessidade deve-se ao fato da “pombinha” não ter visto registrada, é ignorar o fato que se houvesse usucapião a ICAR deveria ser detentora do chi-rho, né?

No mais, o fato de sermos uma igreja centenária não significa que somos maduros. Os conteúdos dos diversos argumentos utilizados mostram a enorme carência que nosso povo tem de conhecimento teológico e da história da igreja. Por muito tempo podíamos ouvir em nossos ajuntamentos que “teologia esfria”, e isso fomentava a má hermenêutica de nossos pregadores, o escasso conhecimento doutrinário de muitos pastores, o desprezo aos cultos de ensino por parte do povo (que considerava reuniões “sem fogo”). Nossa aversão ao estudo e ao conhecimento é consequência daquilo que Smith chama de “estranha atmosfera biblista e, contudo, antiteológica”[2].

Minha esperança em Deus é que nossa denominação sofra mudanças mais profundas do que a de um símbolo. Espero em Deus, nosso Senhor, que nossos obreiros sejam consagrados a luz das qualificações paulinas conforme apresentados nas epístolas pastorais. Que haja mais rigor em relação aqueles que ocuparão nossos púlpitos para pregar, lembrando a afirmação de John Stott que disse que devemos nos preocupar mais com quem sobe e desce de nossos púlpitos do que com quem entra e sai de nossas igrejas. Que se invista mais na formação espiritual do povo, na formação de verdadeiros discípulos de Jesus. Que entendamos claramente que a denominação não é organismo, mas organização. O organismo é a Igreja, o corpo de Cristo, o povo de Deus, logo não é este que deve servir aquele, mas a organização ao organismo. Que seja exorcizado do nosso meio toda neopentecostalização do nosso pentecostalismo, e com ele os modismos pentecostais, a teologia da prosperidade e qualquer afeição ao poder. Que nossa compreensão de idolatria avance para além dos ídolos romanos, mas que compreenda biblicamente que qualquer elemento da criação pode se tornar um ídolo e que eles não precisam serem palpáveis, pois podem ocupar apenas nossos corações. Que a igreja evite relação com o Estado, sem deixar de fomentar a relação entre religião e política. Que não percamos nossa vocação profética de consciência do Estado para gozarmos de seus manjares. Que a evangelização não seja tratada como proselitismo, e a conversão como mudança de religião e que nossa responsabilidade social não seja instrumentalizado para ganhar almas, e sim porque entendemos que devemos fazer o bem se o pudermos fazê-lo, independente de conversão. Que nossa antropologia não se limite a alma, mas vejo o homem como ele é, na integralidade, considerando todas as dimensões de sua realidade e assim venhamos “pregar o evangelho todo, para o homem todo e para todos os homens”.

Que Deus nos ajude a seguirmos firme e avante.

Em Cristo,
Zé Bruno

PS: Texto publicado originalmente no Blog do Zé Bruno

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[1] SMITH, James K.A. Cartas a um Jovem Calvinista: um convite à tradição reformada. Brasília: Editora Monergismo, 2014, Kindle, posição 600.

[2] Ibidem, posição 112

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Zé Bruno

Criado maior do que os animais e um pouco menor do que os anjos, mas de glória e honra coroado. www.zebruno.wordpress.com