Cosmovisão Cristã e Liberdade Religiosa

Uma agenda de paridade e não de privilégios

Zé Bruno
5 min readJul 6, 2017

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Cosmovisão é a tradução da palavra alemão Weltanschauung, que significa um modo de ver o mundo. Ela surgiu no contexto Iluminista por meio do filósofo Immanuel Kant, que a entendia como a compreensão da realidade e do sentido da vida a partir da autonomia da razão. No entanto com o passar do tempo, outros pensadores começaram a fazer uso dela, preservando seu significado essencial de compreensão da realidade, porém não mais limitando-a a razão. Eles compreenderam que ela estava relacionada as crenças fundamentais do sujeito. Friedrich Schelling e Soren Kierkegaard eram alguns deles.

Um dos principais autores sobre o assunto, James Sire, entende cosmovisão como sendo muito mais do que um compromisso intelectual, mas um compromisso religioso com o qual vivemos de acordo. Daí a razão pela qual ele a vê como sendo uma orientação espiritual, que pode ser verdadeira, parcialmente verdadeira ou totalmente falsa[1]. Além disso para Sire uma cosmovisão é “uma narrativa sobre o mundo”[2]. Por isto, podemos dizer que a cosmovisão de uma pessoa são as narrativas que moldam sua vida e que a ajuda a compreender a realidade. Respostas as perguntas: Da onde eu vim? Para onde eu vou? Quem é Deus? Qual o sentido da vida? Isto é certo ou errado? Qual a origem do mal? Denunciam nossa cosmovisão, nosso conjunto de crenças básicas.

Tanto James Sire quanto Norman Geisler reconhecem haver várias cosmovisões, as quais estão relacionadas de algum modo as crenças religiosas. O que é compreensível já que se trata de uma orientação espiritual. Como o cristianismo nos oferece uma narrativa sobre a realidade e respostas as questões fundamentais, servindo-nos não apenas como lente, mas bússola. Nele encontramos uma cosmovisão que se fundamenta nas Escrituras. Portanto uma cosmovisão cristã nada mais é do que enxergar toda a realidade através da Palavra de Deus.

A supremacia de Cristo é o pressuposto estrutural desta cosmovisão, o que nos lembra a famosa declaração de Abraham Kuyper: “não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu! ”.

Uma cosmovisão cristã deve ser cristocêntrica, porque a fonte das nossas crenças fundamentais é as Escrituras e são elas que testificam de Cristo, afirmando que tudo foi criado para Ele e por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez. A supremacia de Cristo é o pressuposto estrutural desta cosmovisão, o que nos lembra a famosa declaração de Abraham Kuyper: “não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu! ”. Kuyper não só entendia como vivenciou esta verdade, sendo um cristão atuante nas mais diversas esferas da sociedade. Isto porque a fé cristã não se restringe a experiência privada, ou seja, a vida pessoal, mas busca ser ouvida no espaço público, algo que o criador da Universidade Livre de Amsterdã se empenhou, conforme nos diz Bratt:

talvez o maior significado de Kuyper para o nosso próprio mundo religioso e culturalmente fraturado é a maneira que ele propôs que os crentes religiosos levassem todo o peso de suas convicções para a vida pública enquanto respeitam plenamente os direitos dos outros em uma sociedade pluralista, sob um governo constitucional.[3]

A fé cristã traz consigo sua própria agenda, que pode ser reconhecida na esfera pública ou não. Quando encontramos algum ponto de convergência na realidade, celebramos e militamos, quando não, denunciamos e buscamos influenciá-la com “o peso das nossas convicções” de modo respeitoso. Porém não faz parte desta agenda buscar uma posição de privilégio político ou legal no espaço público, mas de paridade, visto que as Escrituras nos revelam que todos foram criados a imago Dei e como seguidores de Cristo devemos amar o próximo como a nós mesmos. Destarte ao pensamos em liberdade religiosa, por exemplo, precisamos entender que não se trata do direito de alguns, mas o de todos.

Neste ponto percebemos o quanto o Direito é importante para proteção dessa liberdade, afinal Deus fez uso de leis para formação de seu povo pós-Egito, além de conceder todo um sistema legal que garantia a proteção do órfão, da viúva e do estrangeiro. Por conseguinte, devemos influenciar tanto nossos legisladores a criarem leis que garantam o direito de cada um acreditar em qualquer crença ou mesmo em nenhuma, quanto a sociedade como um todo a respeitarem uns aos outros ainda que discordando das crenças ou ideias alheias. De modo que nem o Estado e nem ninguém venha coagir alguém a abandonar ou mudar de religião.

Outro ponto que precisamos considerar é que o direito à liberdade religiosa não deve ser entendido como “direito à liberdade de culto”, que por sinal acontece num âmbito privado quando a pessoa está só ou reunida. Uma vez que após o culto estas pessoas se espalham por toda sociedade trazendo consigo suas convicções em tudo que fazem e são, devemos entender que a tal liberdade diz respeito ao “livre exercício da religião na vida cotidiana”[4]. O que não tem nada a ver com a ideia de um Estado Cristão, por exemplo, o qual vai de encontro com a cosmovisão cristã porque pretere a paridade pela busca de privilégios para um determinado grupo. Por isso defendemos o Estado Laico, afinal o mesmo direito que protege os cristãos, deve proteger os adeptos de religiões afro-brasileiras, espíritas, hinduístas, muçulmanos, judeus etc., inclusive de ateus e agnósticos.

…um Estado Cristão, por exemplo, … vai de encontro com a cosmovisão cristã porque pretere a paridade pela busca de privilégios para um determinado grupo. Por isso defendemos o Estado Laico, afinal o mesmo direito que protege os cristãos, deve proteger os adeptos de religiões afro-brasileiras, espíritas, hinduístas, muçulmanos, judeus etc., inclusive de ateus e agnósticos.

Como seguidores de Cristo precisamos defender a liberdade religiosa não apenas quando a nossa estiver sob ataque, mas a do outro também, ainda que discordemos da crença dele. Afinal aqueles que têm uma mente cristã compreendem que um dos nossos objetivos é “desfrutar de direitos iguais ao lado de outras comunidades confessionais dentro de uma democracia constitucional marcada pela ampla liberdade de expressão, justa representação, e uma diversidade de vozes.”[5]

No Cristo,
Zé Bruno

PS: Texto apresentado na seleção para Bolsa do Programa Academia ANAJURE/2017 sobre o tema: as relações entre a Cosmovisão Cristã, o Direito e a defesa da Liberdade Religiosa.

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[1] SIRE, James W. O Universo ao Lado: um catálogo básico sobre cosmovisão. São Paulo: Hagnos, 2009. p.16–17

[2] GOHEEN, Michael W. e BARTHOLOMEW, Craig G. Introdução à Cosmovisão Cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. São Paulo: Vida Nova, 2016, p.46

[3] CHAPLIN, Jonathan. O Peso Total das Nossas Convicções: O Ponto do Pluralismo Kuyperiano. Disponível em: <http://danieldliver.blogspot.com.br/2014/04/o-peso-total-das-nossas-conviccoes-o_17.html>. Acesso em: 20 mar. 2017.

[4] PLATT, David. Contra-Cultura. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 246

[5] CHAPLIN, Jonathan. Ibid

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Zé Bruno

Criado maior do que os animais e um pouco menor do que os anjos, mas de glória e honra coroado. www.zebruno.wordpress.com