As crianças e os adolescentes estavam radiantes durante as apresentações dos trabalhos| Fotos: Friends of Waldorf Education

Diário de intervenção | Curdistão, Iraque

Pedagogia de Emergência no Brasil
TransformAÇÃO
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5 min readMay 7, 2017

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Por Reinaldo Nascimento | Karlsruhe — Freiburg, 7 de maio de 2017

Depois de seis horas de viagem, tudo muda! De uma temperatura de 40º, passamos para apenas 7º. De uma umidade relativa do ar de 20%, para dias nublados e chuvosos. De uma vida “barulhenta” e caótica, para um silêncio estranho e até desconfortável.

A viagem foi tranquila. O caminho de Zahko até Erbil é muito bonito! Muitas montanhas… Erbil é sempre poderosa. A capital curda é grande. Seus prédios podem ser vistos de longe. Os curdos acreditam que no futuro Erbil será como Dubai.

No avião dormi quase o tempo todo. Quando estava acordado, ficava vendo as montanhas cobertas de neve lá embaixo. No aeroporto de Viena, o primeiro choque. Tudo é muito silencioso. Tudo é muito quadradinho. Sobe e desce escada. Controle de passaporte. Pessoas reclamando porque o voo vai atrasar cinco minutos. O dutyfree lotado de gente comprando bebidas alcoólicas, cigarros e perfumes.

No aeroporto de Frankfurt, a primeira despedida. Minka, Ingmer, Eli e Elisabete seguiram direto para suas casas. Alfred, Charlotte e eu viemos para Karlsruhe. Em Karlsruhe, o esposo da Charlote já a esperava. Alfred e eu guardamos todos os equipamentos e fomos dormir.

Difícil dormir! Ainda penso nas apresentações dos jovens. No orgulho e na coragem deles de se apresentarem para tantas pessoas. Recebemos visitas de alguns professores universitários e de outros convidados.

Hejar estava muito emocionado por ver seus alunos cantando as músicas africanas. O grupo de teatro fazia todos sorrirem. O grupo da pintura expôs todos os desenhos e as formas e se sentiam verdadeiros artistas. O grupo do esporte e do circo mostrou sua força e energia nas apresentações.

Exposição de desenhos produzidos pelas crianças e jovens

Muitos alunos vieram me perguntar quando começaria a próxima oficina de música. Confesso que fiquei bem emocionado. Garotos bem duros e meninas bem sofridas que chegaram desconfiados de tudo e de todos. No começo, a impressão que dava é que estar ali era melhor que nada. No final, estar ali era quase tudo o que tinham. Mais uma vez se percebia a importância do ritmo, das conversas, dos ensaios, do aperto de mão, do abraço só por que abraço é bom. Até as moças vieram perguntar se podiam tirar uma foto comigo e ainda queriam que eu soltasse o cabelo…

Reinaldo e as vozes femininas do coral africano que se formou nas oficinas de música

O triste é não ter certeza se o projeto continuará. A verdade é que nunca se sabe. Assim como o dinheiro chega, ele também some, e com isso todos os campos sofrem. A importância desses centros de proteção à infância e adolescência é enorme na vida das pessoas que vivem nos campos. Elas sofrem com o calor e com o frio, e eu vi como o campo fica com as chuvas. É uma loucura!

O time curdo, o time internacional e amigos

O jantar e a festa de despedida são sempre muito divertidos! Se dança, se toma chá, se tira milhares de fotos e milhões de selfies. Depois se come muito… E novamente se dança, se tira milhares de fotos e milhões de selfies.

Eu consegui me sentar ao lado do senhor Ramid. O senhor Ramid sempre será uma inspiração para mim. Sempre calmo, sereno e conectado com os problemas dos outros, mas sempre tentando buscar soluções.

Hoje de manhã estava na estação central de trem de Freiburg quando vi a Dani passar por mim. Eu tinha certeza que era ela, mas como chegar e falar "oi" depois de 19 anos sem ver ou ter contato com alguém? Fácil. Fui até ela e perguntei “Você é a Dani?,” e ela sorriu e disse “Rainallllllldo!”

Em 1998, viajei para a Alemanha pela primeira vez para trabalhar como voluntário numa fazenda Demétria. A Dani era responsável pela horta e aquilo sempre me impressionou. Uma mulher responsável pela horta!

Conversamos por cinco minutos apenas, pois nossos trens já estavam chegando e infelizmente não eram os mesmos. Mas ela disse que lembrava de mim com muito carinho, por ter vivenciado o momento em que vi a neve pela primeira vez e tantas outras coisas que para mim eram totalmente novas e me trouxeram muita alegria.

Acho que é isso mesmo! A crianças e jovens nos campos estão vivendo em condições extremas de vulnerabilidade. Apesar do trabalho duro de tantos, a educação, a saúde e a cultura são escassas. As pessoas estão se esforçando para não sucumbir, mas se percebe a dor e o desespero na fisionomia de muitos.

Mas quero pensar como a Dani. Quero voltar ao Brasil feliz por ter visto a alegria daquelas moças costurando enquanto conversavam, pela primeira vez, sobre menstruação. A alegria dos jovens por terem construído luminárias e cantado músicas africanas pela primeira vez. Pelos desenhos expostos como se estivessem numa galeria. Com os atores e atrizes se apresentando para tanta gente. Com os esportistas competindo somente pela alegria de conseguir realizar as tarefas propostas.

Quero voltar ao Brasil porque no Brasil também há muito o que fazer e, como no Curdistão-Iraque, há muitas pessoas fazendo o que precisa ser feito…

P.S.: A situação hoje no Curdistão-Iraque está muito séria. Todos os dedos estão no gatilho…

Abraço e Gelek Supas! Muito obrigado!

Reinaldo Nascimento é terapeuta social, educador físico e cofundador da Associação da Pedagogia de Emergência no Brasil. Ele está numa intervenção no Curdistão/Iraque coordenada pela instituição alemã Amigos da Arte de Educar, que desde 2013 desenvolve um projeto de pedagogia de emergência na região.

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Pedagogia de Emergência no Brasil
TransformAÇÃO

A Associação da Pedagogia de Emergência no Brasil trabalha para transformar a vida de crianças e jovens traumatizados por situações extremas.