O que a gente aprendeu fazendo a gestão de uma Casa Imaginária (e compartilhada)

Bruna Viana
Casa Imaginária
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5 min readOct 11, 2017

A Casa Imaginária é um espaço compartilhado que surgiu da vontade de trazer de volta a vida para uma casa que estava vazia há três anos no bairro Santo Antônio, zona centro-sul de Belo Horizonte. O que começou como um experimento com prazo de 20 dias de duração, cresceu e se estendeu.

Nossa experiência fazendo a gestão de uma casa compartilhada já completou um ano e meio. Nesse período, passamos por diferentes propostas e formatos. Com cada experiência fomos alinhando mais o que a gente queria e podia oferecer com o que as pessoas estavam buscando em BH.

Mesmo que seja pouco tempo, aprendemos muito no processo e frequentemente recebemos contato de pessoas que estão criando iniciativas semelhantes em outras cidades e querem se inspirar com a nossa vivência. A primeira visita de fora foi do Arthur Braga, que na época estava criando a CEÇA, no Recife. Depois a gente conheceu a Juliana Campos e a Laila Teixeira, co-criadoras do CoSpace, em Vitória. E recentemente trocamos experiências com a Sara Maria, que abriu recentemente o Casarão Coletivo Altamente, em Itabira (MG).

Com este texto quero compartilhar alguns desses aprendizados, quem sabe podem ser úteis pra você também?

A Casa Imaginária de portas abertas para os vizinhos. Foto da Laura de Las Casas.

1. A gente descobriu primeiro o que não queria ser: um coworking

Ter um espaço de coworking nos exigiria ter alguém à disposição para receber quem chega a qualquer horário para trabalhar e conhecer o espaço. Nem eu, nem a Bruna Pardini, nem a Isabela Viana, que fazemos a gestão da Casa Imaginária, tínhamos essa vontade.

A gente queria usar o espaço da casa para tocar nossos projetos e ver outras pessoas fazendo isso também. Era mais uma pegada de compartilhar e fazer junto do que servir e oferecer benefícios a membros de um coworking.

Até experimentamos usar uma das salas maiores da casa para fazer um escritório compartilhado, mas no fim das contas funcionou melhor com mensalistas. Isso trouxe mais estabilidade, porque sabemos quanto dinheiro temos para pagar as contas todo mês, e foi mais confortável também, já que temos mais proximidade com quem compartilha a Casa todo dia.

2. A gente deixou de usar o termo “casa colaborativa”

Essa palavra colaborativa traz muitas possibilidades de entendimento. Uma interpretação muito comum é: colaborativo é de graça ou é quando tudo pode ser pagado com permuta.

Mas a gente não paga conta de luz com permuta, nem de água, nem o IPTU. Além disso, aqui na Casa Imaginária a gestão e as decisões sobre a programação do espaço estão a cargo de nós três. Sempre que consideramos importante envolver os mensalistas (a quem chamamos carinhosamente de Imaginantes) em alguma decisão, fazemos isso.

Tomar todas as decisões de forma horizontal é uma possibilidade também, que demanda tempo e engajamento de todas as pessoas envolvidas. No nosso caso, optamos por fazer assim. E, então, decidimos nos apresentar como uma casa compartilhada (o que realmente somos, já que mais de 20 pessoas utilizam do espaço de forma fixa), ao invés de colaborativa.

3. Não pode tudo. Tem combinado e tem curadoria.

Além dos escritórios que funcionam durante a semana, a gente recebe propostas de cursos, palestras, feiras e outros eventos. Mas nem tudo passa. Já negamos propostas porque não tinham nada a ver com o que estamos querendo cultivar no mundo. Já negamos propostas por ter sentido que os proponentes não compartilhavam das nossas intenções em relação ao espaço. E, ao longo desse tempo, criamos e atualizamos combinados, tanto para quem compartilha a casa, quanto para quem quer fazer alguma atividade.

Os combinados da casa estão disponíveis neste documento aqui e também ficam distribuídos pelo espaço em plaquinhas de madeira. As propostas de evento chegam pra gente por este formulário aqui e, depois de analisadas, seguem as mesmas regras da casa. Quando a pessoa vem de fora fazer algum evento, a gente também envia por e-mail instruções sobre o uso do espaço.

E, por fim, no nosso site temos um texto que traz os princípios que constroem a Casa. Por mais que ele seja bem subjetivo, a intenção é deixar claro que tipo de atividades a gente quer ver acontecer aqui.

4. Ter alguns processos valoriza nosso tempo, mas não tira nossa liberdade.

Temos formulário, documentos e combinados, sim. Essas coisas valorizam o tempo de todos nós. A principal mensagem que passamos com o formulário de pré-inscrição de eventos é: se você quer fazer uma atividade aqui, pense sobre ela antes de nos procurar. Reflita sobre quando você quer fazer, quem é seu público, qual o formato, como você pretende viabilizar. A partir daí, vamos começar a conversar pra entender se faz sentido para as duas partes. E sim, nessa conversa a gente pode te dar várias ideias e te ajudar com o que sabemos.

É claro que chegam algumas propostas que nós três ou uma de nós tem vontade de abraçar e fazer junto do início ao fim (foi assim quando a Carol Magalhães, criadora da Quintal Edições, disse que sonhava em fazer uma Feira de Autoras. Mas, na maior parte das vezes, acolhemos ideias e projetos que não são nossos. E tudo bem não se envolver em tudo.

5. Não faz sentido “esconder o ouro”.

Aqui a gente aprendeu que não faz sentido guardar segredo, esconder processos, dar dica furada.

Não operamos no modo competição. Acreditamos que sempre tem espaço pra todo mundo e fazemos questão de compartilhar o que sabemos e aprendemos, se for útil para outra pessoa.

Isso vale para dicas de fornecedores, planilhas com fórmulas malucas, checklist de feira, experiências de organização, contatos, lugares, etc, etc. Já crescemos muito ouvindo experiências de outras pessoas que também agiram dessa forma e é assim que queremos seguir.

6. Estamos abertas a mudar

A forma como agimos hoje vem da nossa experiência passada e do que sentimos que está querendo acontecer daqui pra frente. Mas nunca tivemos medo de mudar.

Talvez essa postura tenha vindo com a própria impermanência da casa. Como nosso prazo aqui sempre foi incerto, já que a casa poderia ser demolida a qualquer momento, o custo de decidir fazer tudo diferente sempre nos pareceu baixo.

Parece que essa sensação de que tudo poderia mudar a qualquer hora meio que entrou nas nossas veias e a gente usou isso a nosso favor. Um dos primeiros textos que a gente escreveu, nos primeiros dias de brainstorming, já trazia isso, que a gente percebeu ser parte da nossa identidade algum tempo depois:

Nossos muros não têm medo da demolição. Aqui, abrimos e fechamos ciclos de aprendizado com naturalidade.

Isso também fez a gente estar sempre curiosa com outras experiências e possibilidades. Você tem alguma dica pra nos dar? Ou quer saber mais alguma coisa que acha que podemos compartilhar? Escreva aqui pra gente continuar o papo.

Nós três no Festival VIRA IMAGINÁRIA, quando despedimos do nosso espaço físico. Da esquerda pra direita: Bruna Viana, Bruna Pardini e Isabela Viana. Foto: Marina Galvão.

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Bruna Viana
Casa Imaginária

Me dedico a criar espaço e condições para as pessoas terem conversas que importam, consigam trabalhar em colaboração e resolver desafios juntas.