Uma tarde com quem cria — todo dia — diferentes formas de se viver em BH

Laura De Las Casas
Casa Imaginária
Published in
4 min readMay 25, 2016

No alto do bairro Santo Antônio, na Região Centro-sul de Belo Horizonte, um casarão resiste ao tempo em meio a tantos prédios que sobem cada vez mais altos na cidade. Quem passa por aquela esquina da Rua Cristina vê um muro colorido de verde com diversos desenhos e uma porta aberta. É um convite para entrar.

Foto: Marina Magalhães

A proposta da casa é simples e cabe qualquer um: imagine! Dessa vez, a ideia era imaginar junto a pessoas que foram movidas pelos sonhos mais íntimos a fazer acontecer, “na tora”, uma autêntica forma de se viver em Belo Horizonte. Uma grande roda juntou Bruna Martins, Cacá Bicalho, Davi De Melo Santos (DMS), Fred Fita, Lucas RastaMan, Maria Laura Moreira, Marina Viana e Nathalia Seabra a quem quisesse entrar para ouvir e partilhar experiências. Foram vários sentimentos que permearam as discussões. Entre eles, a esperança em novos caminhos e a coragem para fazer vontades se transformarem em atitudes e ações.

A Casa Imaginária hoje acontece em uma residência familiar onde ninguém mais vive, um lugar que guarda boas memórias e que agora é aberto a diferentes formatos: feiras com produtores locais, laboratório de novos projetos, aulas e apresentações de artistas locais. Novas formas de ocupar esse espaço criativamente são sempre bem-vindas. Desse vez, nesse domingo de nuvens e sol, a sala se transformou em um lugar de troca de vivências em forma de debate.

Desafiar as formas pré-concebidas de “ganhar a vida”, indo contra trabalhos convencionais que garantem dinheiro e rotina, mas muitas vezes escondem a nossa essência, é somente um ponto em comum entre todos os presentes em uma das salas desse casarão.

A mistura foi boa e diversa. Bruna segue sua intuição até hoje para reinventar seu Bistrô, a Birosca S2, a cada dia, sempre com a intenção de causar sensações gostosas em quem passa por ali. Isso é percebido não só no sabor da comida, mas na música que soa no piano e nos enfeites da parede. Marina, integrante do grupo Primeira Campainha, deposita há 10 anos toda força e paixão em um teatro que resiste à precariedade e falta de patrocínio na cidade, por sentir que a atuação é a sua voz no mundo. Cacá precisou de tempo e silêncio para decidir fazer com as próprias mãos a arte que lhe daria sentido. Hoje, seus minúsculos recortes contam histórias. DMS usa as cores quentes do seu grafite para resgatar vida em lugares muitas vezes abandonados, poluídos e monocromáticos. Sua arte é da rua. Nathália abandonou o próprio trabalho para se dedicar a uma causa que abraçou com força: o direito da mulher. Hoje, é uma das moradoras da Ocupação Tina Martins. Fred e Zumberto veem na bicicleta muito mais que um meio de locomoção, mas uma forma viva de interação. Fizeram desse pensamento o motor de um projeto que faz toda a energia vital do trabalho valer a pena. É o Seat Post, um espaço que busca contribuir para o crescimento da bicicultura na cidade. Lucas conheceu a possibilidade de uma vida igualitária por meio do elo da cultura rastafári e se integrou a uma comunidade que vive os dias com o que colhe e planta, o coletivo Roots Ativa. Maria Laura resgatou na trajetória das parteiras a melhor maneira de dar à luz novas pessoas: naturalmente. Tornou-se doula e segue em busca de sua formação como parteira.

Foto: Laura de Las Casas

Conhecer um pouco da história de vida dos integrantes deu a chance de entender a motivação de cada um. Desabafos e dores foram expostos por quem já viveu momentos de fracasso, mas entendeu os embaraços como parte da caminhada e do próprio exercício de humildade. Na sala imaginária, as experiências se encontravam em vários pontos: nos medos, nos silêncios, no apoio precioso de quem sempre apostou, na coragem para fazer acontecer com poucos recursos e no entendimento da cidade como um espaço de todos, onde caminhos são cruzados por tantas outras pessoas. Também se encontraram na vontade de lutar, mesmo que vagarosamente, por outras alternativas para uma sociedade tão cansada.

Ao final da tarde, a sala permanecia com as portas abertas. Muita gente passou, ouviu e perguntou. Foram três horas conversando sobre o poder da empatia, a importância de vencer os medos que paralisam, e em como as práticas diárias são espelhos do que acreditamos ser um caminho mais leve e justo para o mundo. Fazer isso acontecer em seus universos particulares já é um grande começo, inventando uma vida com sentido.

Compartilhar as experiências é sempre um gesto muito largo. Toda ideia nasce do encontro.

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Laura De Las Casas
Casa Imaginária

Jornalista, encantada pela imagem que é palavra. E vice-versa.